*Por Talita Guimarães
Depois de meses, saio do retorno à terapia aliviada. Entendimentos internos descongestionados. Fluidez para ser. Muitos pensamentos clareando entre o consultório e a parada de ônibus.
Mais adiante uma retenção fecha os dois lados da estradinha que dá acesso a praça onde aguardo meu ônibus. Espio curiosa o que terá sido e me deparo com uma escavadeira atolada no lamaçal à beira da estrada. No asfalto, outra escadeira de mesmo porte fecha a rua enquanto tenta desatolar a colega. Analogias entre a terapia e o tráfego me vem inadvertidamente.
Enquanto observava os esforços da máquina operada por homens em ajudar sua semelhante, ria-me disso de até as coisas mais mecânicas terem uma alma de carne e osso. E sangue. Suor. Lágrimas.
Há de haver sentido no coração. E no caminho torto, esburacado, sem acostamento até o cérebro. Via de mão dupla que quando congestiona, haja engenharia de tráfego para fazer fluir.
Até chegar perto do foco da retenção, há de ter paciência para lidar com o tempo dedicado à mesma paisagem lá fora. Assim como aqui dentro, quando finalmente aquela pá gigante se aproxima, para desafogar os acúmulos ao nosso redor, permitindo que saiamos com os próprios braços e pernas do buraco em que atolamos.
Quando a psicóloga me ouve, remove as pedras ao meu redor. Faz meu mundo girar em uma rotação que não me entontece. Torna tolerável seguir adiante, de volta à pista. E pensar que nossas conversas são como escavar arqueologias internas mesmo, soprando a poeira das coisas não ditas, pouco pensadas, mal resolvidas.
Liberando espaços, dando destinos, fazendo fluir.
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