*Por Meiri Farias

Imagem: Auditório Ibirapuera
Primeiro o som. Depois a imagem.
Primeiro o som colore tudo, arrepia os pelos do braço, deixa o coração quentinho. Depois começa a busca pela imagem.
Assim foi a tarefa (árdua) de assistir ao show Valencianas II*, que reuniu Alceu Valença e a Orquestra Ouro Preto no palco externo do Auditório Ibirapuera no domingo (17). Poucas vezes na vida vi uma multidão como essa, que já demonstrava agitação e empolgação mesmo antes do início da apresentação. A grama do parque ficou repleta de casais, grupos de amigos, famílias completas (com suas respectivas crianças) e curiosos que pararam aleatoriamente ao ver tamanha aglomeração.
Primeiro veio o som. A orquestra marcando que aquilo não é uma apresentação qualquer, mas é um pedacinho do nordeste vindo aquecer a tarde cinzenta de São Paulo das estações trocadas. A emoção chega na sequência, emoção do som, do tato, emoção que só que tem sangue nordestino correndo nas veias pode sentir assim tão instantaneamente.
A imagem ainda não. E aí começa a corrida, o percurso de labirintos humanos, para se embrenhar no meio de uma multidão de corpos pulsantes ao som do forró erudito. Passa uma música, passa mais outra e eu continuo me guiando pelo som.
Depois vem o artista. Após a execução de algumas canções, a chegada do Alceu foi aclamada com todo o entusiasmo. O artista pernambucano reage a essa aclamação no mesmo ponto de alegria e aconchego. E aí a imagem vem, longe, dispersa, mas forte o suficiente para despertar aquele sertão, que mais do que no coração ou nas ideias, vive na pele.
O agradecimento do artista veio com os clássicos. Não é possível, tudo que o Alceu canta é clássico. Taxi Lunar, Bar Leblon, Como dois animais, uma sucessão daquelas canções que ninguém sabe racionalmente, mas que todo mundo canta junto porque estão tão impregnadas na nossa cultura que a letra vem a boca sem passar pela razão.
E começam os pedidos do público. La Belle de Jour pedia uma tarde mais azul, mas pode clarear o céu apagado do fim de domingo. Anunciação é unanimidade, quase um tratado de paz que reúne todas as opiniões, todas as crenças. Hino nacional informal.
Faltou Morena Tropicana, mas o público não se fez de rogado. Com a despedida do artista, a povo entoou em coro a canção faltante e todo mundo saiu justificado.
Não cheguei até a grade, mas tudo bem. Esse show eu não vi com os olhos, mas com o sangue.
* Valencianas, a primeira edição do espetáculo, foi concebida em 2010, para celebrar os 40 anos de carreira de Alceu Valença, fruto do encontro com Paulo Rogério Lage, que há tempos planejava proporcionar contornos orquestrais à sua obra, juntamente com o maestro da Orquestra Ouro Preto e o homenageado. Valencianas II traz novas obras do repertório de Alceu, regida pelo Maestro Rodrigo Toffolo. Com a gravação do CD e DVD Valencianas, Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto tiveram o trabalho elogiado pela crítica levando-os a receber o Prêmio da Música Brasileira, em 2015, como melhor disco de MPB.
Meiri Farias
Café, música e quadrinhos são combustíveis para o que você encontra aqui. Jornalista especialista em Mídia, Informação e Cultura, com experiência em programação não-linear (VoD), produção de conteúdo e comunicação coorporativa, Meiri Farias é paulistana convicta e contraditória, latino-americana em descoberta e adora falar sobre isso. Tomando café, obviamente.