*Por Beatriz Farias
A gente cresce com as músicas sobre o tempo. “Oração ao tempo”, “Tempo perdido”, “Olha o tempo“, “Pequeno mapa do tempo”, “O tempo não para”, “Tempo morto“, “O tempo”, “Tempos modernos”, “Naquele tempo”, “Tempo de se amar”, etc., etc., etc. O tempo, enquanto música, é praticamente guia maior para todas as nossas aflições cotidianas. O tempo, enquanto tudo que existe, é a razão maior para todas as nossas aflições cotidianas.
Sempre falta o tempo ou sempre sobra o tempo, ou ainda a gente está no momento certo na hora errada. A gente não está livre de ver o tempo passar no espelho e nas cicatrizes nossas e dos outros. A gente que já tentou inventar máquina do tempo e super-herói que manipula o tempo. Tudo porque sincronia demanda tempo dentre todas as possibilidades de passado-presente-futuro, permanecemos na pergunta:
Foi através do trecho citado acima que me aproximei do último disco lançado pelA Banda Mais Bonita da Cidade. A frase que abre a canção “Tempo”, do duo “Versos que compomos na estrada”, é responsável também por encerrar “De Cima do Mundo eu vi o Tempo”, o então mais novo disco dA Banda.
Eu sei, é tempo pra cá, tempo pra lá, está confuso. A verdade é que a gente faz isso o tempo todo na nossa cabeça com o tempo. Mas não vamos falar sobre isso agora.
A razão por ter me aberto a escrever, ainda depois de vários meses sem um textinho sequer sobre música, tem mais a ver com o acontecimento de palco do último sábado. A Banda Mais Bonita da Cidade pousou em terras paulistanas no dia 28 de julho para tocar pela primeira vez na Casa Natura Musical, endereço já tão mencionado aqui neste espaço.
E é aqui que tudo acontece, porque tem algo que A Banda tem. “Algo que é muito doce e muito potente” e que me fez escrever literalmente esses dizeres no bloco de notas assim que os cinco integrantes entraram no palco.

Foto: HAI studio
Eles são Uyara Torrente, Eduardo Rozeira, Luís Bourscheidt, Marano, Vinícius Nisi e toda a plateia que estava lá. O coro deixa visível entrega recíproca que dura todo espetáculo dentro dos mais diversos estágios que permeiam o repertório. Desde as músicas do primeiro disco, lançado lá em 2011, como “Canção para não voltar” e “Boa pessoa”, passando pelas catárticas “Uma atriz” e “Maré alta”, do segundo álbum “O mais feliz da vida”, até chegar em faixas mais recentes como “Suvenir” e “Trovoa”, que ilustram bem o novo momento do grupo. “O novo momento” seleção altamente lugar-comum de frase, na verdade muito sintetiza as escolhas percorridas do grupo que começou em 2009, até aqui.
O maior impacto teve início lá em 2011, a partir de um vídeo feito por amigos da canção “Oração”, de Léo Fressato, e de lá para cá já passou por mudanças significativas durante o período. A mais recente delas, indica a troca de integrantes entre o ex-guitarrista Thiago Ramalho e o mais novo membro Eduardo Rozeira, somando grandeza para as canções.

Capa do último disco: De cima do mundo eu vi o tempo
É curioso e potente ver uma banda que já está a um tempo considerável na estrada manter e saber renovar o folego no palco. O tempo deslocou as posições mas parece ainda dizer: é aqui neste solo-palco que faz sentido continuar firmando e afirmando.
A noite contou com participação especial do paulistano Dani Black, que se uniu A Banda para cantar uma música de seu último álbum e um cover já interpretado outras vezes pelo grupo. A canção “Maior” (Dani Black) parece ampliar seus sentidos quando anunciada ali por Dani e Uyara. “Eu sou maior do que era antes. Estou melhor do que era ontem. Eu sou filho do mistério e do silêncio, somente o tempo vai me revelar quem sou”. “De cima do mundo eu vi o tempo” parece dizer exatamente o que diz Maior. Chegar nesse lugar de percepção da intensidade do instante para entender que o melhor lugar para querer estar é descobrindo quem se é agora.

Foto: Breno Galtier
Um dos pontos mais altos do show ainda é sobre a participação de Dani, que continua no palco para ressignificar a canção “Fala” (Secos e Molhados), certeira para sua voz e de Uyara. Se a música já é preciosa por sua identidade de escuta, a versão da noite parece derreter em plena alegria de ter sido inventada, partilha e prostração ao outro.
Misturando passado e presente, A Banda toca em sequência “Triste, louca ou má” (Francisco El Hombre) e “Tigresa” (Caetano Veloso). Aqui é válido mencionar o acontecimento que é Uyara. Como já mencionei em outros momentos por aqui, Uyara é uma mulher gigante. Sua voz e presença dominam o espaço com generosidade, como quem sabe e diz que o poderoso é que sempre cabe mais. E por isso a gente que assiste sente tão forte a junção com os rapazes. Que importante ter seu nome e tudo que ele diz se posicionando e falando de outras mulheres, porque não dá ]mais tempo de esperar para o futuro. Já estamos aqui e a tigresa ainda não pode mais que – ou tanto quanto – o Leão.
Encaminhando para o fim, o famoso momento de “Oração” cabe exato na Casa Natura. Os integrantes e a participação especial descem do palco e, mais próximos ainda das pessoas, se encontram em um pedaço de tempo diferenciado. “Eu sou porque nós somos”, foi o que pensei.
É impossível não citar a Casa Natura como lugar propício para o encontro. O espaço localizado na esquina da rua Artur de Azevedo com a Rua dos Pinheiros, vem se firmando como importante cenário para a realização de momentos importantes da música nacional do país. Não se trata apenas de uma curadoria atenciosa e inteligente, que vem incluindo nomes de momentos diversos e vozes múltiplas do que deveria de fato ser a diversa MPB. Mas ainda por sua capacidade de dar ao artista e público exatamente o que precisam em cada noite.

Foto: Lubi Meirelles
Salvo o famoso clichê, o show dA Banda Mais Bonita é sobre o agora. Não importa que daqui a uma hora nossa vida vai voltar a ser a mesma (ou não, nunca se sabe). Existe algo acontecendo ali e que sorte a nossa estar vivo para ver e ser.
Ah é, então ainda estamos falando sobre o tempo.
Surpreendente é chegar ao fim do show e nem ousar pedir mais. Não por cansaço ou saco cheio. Incomodo até pode ser. É que em sua grandeza de coisa que tira a gente do lugar, se completa em si mesmo e como milagre das horinhas de cuidado, parece botar o tempo em seu compasso preciso.
A gente que tentou inventar máquina, super-herói, desculpa qualquer para andar lado a lado com o tempo, sabia em algum lugar que havia a música (“a música – para calar o estrondo”, muito bem disse Gregorio Duvivier). E então para encerrar, uma música que não é dA Banda, muito menos foi interpretada na noite. Nem ao menos menciona a palavra tempo. Mas é que dentro e fora dela tem um negócio que parece ter sido dita pelo próprio tempo, e a gente respeita a necessidade e sintonia: “O segredo é se conectar sobre estar vivo, sobre ser fogo, água e ar. Sobre estar vivo, em equilíbrio e enxergar.” E quem enxergou sabe, de cima do mundo eu vi o tempo.
*Como este é um tema que mexe intensamente com nossas emoções, montamos uma playlist com as canções com a temática tempo, confira aqui