*Por Talita Guimarães
Beira-mar, 16 de agosto de 2017.
No encontro com o rio a maré enche. Três pescadores solitários, com água na cintura, arrastam uma rede por onde as ondas engordam marolas.

Arte: Talita Guimarães
Na contraluz da manhã parcialmente nublada a cena é pintura. Imagino em aquarela, com traços delicados.
Meu ônibus desacelera dando-me tempo de melhor observá-los em sua lida diária com o rio-mar. E então me ocorre que a beleza que enxergo cá não é espelho do que talvez eles vejam e sintam de lá, donos de mistérios de quem labuta no mar.
Agora parado, meu ônibus espera o sinal abrir. Prolongo o derramamento do meu olhar sob os pescadores como quem tenta se lançar ao mar para alcança-los onde o avesso da beleza distante é o suor do labor impregnado na pele.
A aquarela se abre em três dimensões. E a beleza, outrora projeção de um superficial encanto, se estilhaça em mil caquinhos para renascer enquanto mosaico da vida real, abrigo de nuances que somente olhares múltiplos podem captar em sua – aí sim – infinita e profunda beleza.
Porque a romantização das lutas alheias me incomoda, rapidamente repenso meu olhar sobre os três pescadores em ação. Enquanto empenham todas as suas forças naquela rede que flutua ao sabor do mar, na esperança do sustento incerto, não me parece justo que lhe derramemos olhares de poesia romanesca cá da terra firme. Não é só de um belo quadro real que estamos diante, mas de um retrato cotidiano de bravura e dignidade.
É preciso mais que sentimentalismo para fazer pulsar o poema. Assim como é preciso mais afeto para fazer sentir a vida. Porque a beleza de contemplar está nas lições que as paisagens mais completas, pintadas também com sangue, suor e sal, nos ensinam a admirar. E nos inspiram a transformar.
O sinal esverdeia. O ônibus acelera. Os bravos pescadores saem do meu campo de vista.
Na imaginária rede que arrasto, muito mais que uma belíssima imagem fisgada para alimentar de força e inspiração o meu dia.
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