*Por Talita Guimarães
Enquanto o artesão manipula habilmente palhas de coqueiro à nossa frente, esperamos – eu e meu namorado – curiosos pela promessa de flor. E só então num lampejo me dou conta de que o espanto e a admiração com a vida moram no segundo final de uma ação em curso à olhos vistos.

Arte: Talita Guimarães
Há muitos anos uma amiga relacionou uma sensação que julgava muito boa a caminhar nas nuvens. Lembro de concordar mais como quem se convence de que ela devia ter razão do que por sentir de fato tal sensação. Não entendia eu, como algo inseguro como um chão que afofa e evapora ao toque poderia remeter a uma sensação agradável.
Até o dia em que o artesão que confecciona flores nos alcançou. E me colocou em uma espera contemplativa que finalmente compreendeu as múltiplas nuances desse caminhar nas nuvens a que minha amiga sabiamente se referira.
Tem a ver com a delicadeza do transitar pela vida, indo de uma ponta a outra de uma existência complexa e surpreendente, ora mansa ora feroz, que quase nunca fornece previsões em detalhes da maior parte do que ainda vai nos acontecer.
Nesse sentido, caminhar nas nuvens pode tanto ser a experiência de flutuação por um terreno aconchegante quanto um saltitar por campo minado, cujo passo em falso a qualquer momento leva à derrocada.
Talvez por isso, também se atribua tal metáfora ao amor. Como na vida, o que vem e quando virá, com quem e como será são espantos e alumbramentos que só se dão em curso.
Antes, durante e depois da, ainda que mais improvável e bela, flor.
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