*Por Talita Guimarães
Quando minha avó Madalena anoiteceu eu ainda não havia amanhecido. E se falo assim para me referir ao nosso desencontro nesse mundo é porque meu pai, seu filho, me ensinou a pensar assim, relacionando o ciclo da vida ao dos dias. Aprendeu com ela.
Enquanto penso nos desencontros, descompassos e desencantos da vida, divago sobre nosso constante medo da finitude das coisas, incluindo as que sequer começaram. “A gente é feito pra acabar”, canta Marcelo Jeneci na última faixa de seu primeiro disco; a posição da música no repertório pensada para dialogar com sua mensagem, que embora sejamos capazes de entender, deliberadamente nos permitimos quase sempre não lembrar.
Quando em uma manhã ensolarada meu pai me sopra as lições de vovó enquanto espero meu ônibus, percebo que é possível aprender diariamente a lidar com a impermanência das coisas. Pois todos os dias viajamos de mãos dadas com um ciclo único, destinado a acabar.
Parece sempre igual, mas jamais é. As semelhanças estão lá porque as colocamos, em certa medida, graças a nossa capacidade humana de reconhecer padrões e encontrar conforto e segurança neles. Mas cada diazinho é mesmo único e precioso de um jeito que talvez só percebamos após um período de acúmulo desses recortes aparentemente ínfimos que juntos formam um todo imenso.
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