*Por Beatriz Farias
A conversa é uma das nossas formas de comunicação mais eficiente. É pela conversa que acordos de paz são tratados ou desfeitos, é pela conversa que casais decidem oficializar sua relação ou encerrar a vida a dois. É conversando que a gente se estende, diria algum poeta. É pela conversa que a gente encontra os amigos para tomar uma cerveja no fim de tarde. Conversa e presença, duas coisas que quando caminham juntas formam poesia que nem precisa ser registrada. De vez em quando, no entanto, algum olhar atento decide dedicar-se a guardar uma conversa que rendeu caminhos e é daqui que a gente pare. De onde um piano parte para assumir a potência do encontro.
Tudo o que move é sagrado. Em sua canção “Amor de Índio”, Beto Guedes sintetiza o filme ao qual hoje nos dedicamos a comentar, talvez porque o que exista de sagrado na música permeie o encontro, talvez porque a canção nos faz crer independente de termos ou não crença em alguma divindade. Ou simplesmente porque a própria música é o lugar onde podemos depositar a fé. A música move e, independente do estilo ou formato que cada cidadão se dispõe a escutar, a verdade permanece.

Foto: Antonio Brasiliano
“O piano que conversa” revela o encontro do pianista Benjamim Taubkin com mais de 20 artistas de quatro continentes, tais como o Brasil, Bolívia, Coréia do Sul, Polônia, Israel e Moçambique. Com direção de Marcelo Machado, a relação entre instrumento e instrumentista compartilha o espaço de protagonista em um documentário musical que não faz preciso o uso de entrevistas ou depoimentos.
No filme, a música move, literalmente, e é transportada para diversos lugares do mundo. Conforme se desloca entra também em movimento suas capacidades de adaptações e permanências com o que encontra e é aí que a música desperta seu dom sagrado: movimentando com respeito. Adentrar outros territórios por meio da música é descalçar os chinelos e se deixar ser transformado pelo rito que o ambiente sugere, a música com o seu poder de entrar pelas frechas. A música do mundo, qual é?
Confira trailer do filme “O piano que conversa”:
A primeira exibição pública de “O piano que conversa” aconteceu na última sexta-feira, 16 de junho, no Cine Sesc. Com direito a bate-papo com o diretor-personagem e equipe do longa, o filme que foi incluído na mostra competitiva do festival In-Edit apresenta um mergulho sonoro e visual das conexões humanas tendo como elo a música.
Gravado entre o Brasil, Bolívia e Coréia do Sul, a estética da música de cada lugar é exposta na coletividade, deixando a encargo dos sons e instrumentos utilizados a responsabilidade de exprimir características e singularidades culturais de cada canto abordado. A partilha das culturas distintas demonstra conversa horizontal de valor inestimável quando se trata do respeito já dito em embarcar com cuidado e atenção no espaço do próximo, conversa entre um terreno sagrado e outro.
Para falar da música nesse caso, convém breve histórico do músico que se mescla a ela fazendo a distinção soar desimportante. Benjamim Taubkin é músico, ator, produtor e compositor brasileiro. Diretor do projeto Núcleo Contemporâneo, o multiartista é também mentor da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), além de integrar a Orquestra Popular da Câmara. Levando em conta no seu trabalho a música brasileira e principalmente seu diálogo com outras culturas, Benjamim explicita o encontro quando a música fala com as pessoas que estão tocando e tocas seres humanos que não estão tocando.
A conversa provinda de cada encontro é experimentada através dos instrumentos, fazendo valer o clichê de comentar “a voz do instrumento” com sua capacidade de emocionar, contar causos e nos fazer sorrir. “O piano que conversa” é situação curiosa de título que indica diálogo, mas que não possui nenhuma palavra cuja necessidade seja presente. “Um diálogo entre a música e o cinema no qual tudo fica dito sem que nenhuma palavra seja mencionada”, como explica sua sinopse. Porque a conversa é mais que a palavra, já que o entendimento de uma linguagem tem mais a ver com quem está disposto a dar e receber a forma e cor do som, do que a quantidade de sílabas que a língua formulou.
Após longo período refletindo a respeito da melhor maneira de finalizar um texto sobre um filme como esse, que tem como uma de suas melhores particularidades se revela em sua música continua dentro de nós ainda após seu término, vale tentar compreender o tipo de obra de arte que o filme é. A pintura em movimento indica o que a música precisa: caminho. Porque o mistério da música é estar disponível para ser desvendada e o filme é uma boa amostra de como a grande graça presente no que é do som é nunca saber o suficiente para sempre querer mais um pouco. A solenidade da música é forma de oração querendo escutar mais do que falar. Por isso a conversa.
Ficha Técnica
O PIANO QUE CONVERSA (Brasil, 2017, 78 min)
Um Filme de Marcelo Machado
Com Benjamim Taubkin
Coordenação de Projeto – Giovana Amano
Produção executiva – Ariene Ferreira
Direção de Fotografia – Fernando Fonini
Som Direto – Rafael Verissímo
Montagem – Joaquim Castro
Mixagem das Músicas – André Magalhãaes
Desenho de som – Joaquim Castro e Rafael Benvenuti
Produção Musical – Gustavo Martins
Assistente de Direção – Kika Moura
Desenho Gráfico – Julio Dui
Operador de Câmera – Marcos Guarnieri
Assistente de Montagem – Guilherme Leando
Assistente de Edição – Felipe Cecchi
Finalização de Áudio – Input Arte Sonora
Pós-Produção de Imagem – Dot Cine
Produção de lançamento – Fábio Dellore
Apoio – Canal Curta!, DOT Input, A Loja de Pianos e Busca vida.
Co-Produção – Núcleo Contemporâneo
Produção – MMTV
Próxima Exibição
23/06, às 19h – In-Edit (SP Cine Olido)