*Por Talita Guimarães
Quando criança, eu colhia gotas d’água da torneira do banheiro com um pouco de papel higiênico limpo e as levava até a parede, onde as depositava e torcia para que o filete mais lento ultrapassasse o mais rápido.

Arte: Talita Guimarães
Após comer brigadeiro de colher, beber um copo d’água gelado me alegra igual bônus de natal, uma consequência do bem, um prolongamento da alegria, tal prazer desmedido.
Os dias em que adoeço, são os que parecem não existir, porque deixam a sensação de que não estou onde deveria estar, ficando em casa. Minha resolução para o assunto é simples: quando um dia de cama abre um rasgo no tempo da rotina, faço algo que não faria se este dia não-existente acordasse para existir.
O rapaz ao meu lado no teatro sorri nas pausas certas, atento aos diálogos e movimentos em cena. Acho graça de seu envolvimento, enquanto noto curiosa que de tempos em tempos ele encara as próprias unhas, nas mãos pequenas.
Com meu pequeno binóculo amarelo de lojas de R$ 1,99 passo os olhos em revista por toda arquibancada do estádio de futebol. Meu fascínio pelo que acontece enquanto o futebol acontece não está exatamente no gramado, mas nas pequenas torcidas organizadas que pulam sincronizadas com seus balões coloridos, rolos de papel, bandeirões, faixas e cantorias. Sabia que o “leleô leleô” do Sampaio Corrêa também é cantado pelo Moto Clube, mudando apenas o nome do time que é evocado alegremente no final?
É assim que sigo. Sentindo cada nota de estar viva, lembrança por lembrança, descoberta por descoberta, fascínio por fascínio. Como as gotinhas do início, que em improvável corrida, escorrem ao sabor da inocente torcida infantil.
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