*Por Talita Guimarães
Um poste quebrado em dois e um automóvel esfacelado.

Arte: Talita Guimarães
Desvio o rosto da cena trágica na manhã de um dia de semana no momento em que o meu ônibus entra no Terminal da Cohab e as pessoas se levantam apressadas para descer. No bolo de gente ao corredor, vejo duas mãozinhas infantis buscando-se para se darem na descida em segurança. Um menino leva o braço às costas para segurar a mão de um outro menor ainda, e assim descem juntos, sem se perderem na multidão de mãos adultas desencontradas.
O gesto humano de dar as mãos me fascina. Isso de ligar-se ao outro acomoda umas tantas necessidades: amparo, segurança, apoio, amor.
O ônibus sai do Terminal e lá está o gesto de novo, atravessando a faixa de pedestres, ligando um casal de idosos. Cabeças brancas de mãos dadas me enternecem tanto ou tão mais que mãozinhas infantis.
“Tem coisas que só Talita vê”, lembro agora do que a amiga Rossana me diz dias depois, após me ouvir apontar “ó lá! o cachorrinho se jogou na ribanceira”, sobre o cãozinho que vi descer de mau jeito por uns matos da Avenida dos Franceses. Safo, só fez que se jogou.
E me pego extasiada por em meio a ferocidade dos nossos dias ainda conseguir distinguir, entre borrões, mãos que se dão e miudezas que se passam em flashes rápidos por nós.
Talvez seja mesmo por isso que eu goste tanto de ler e escrever. Para me sentir sempre de mãos dadas com alguém, sobretudo nos momentos em que nos sentimos à beira de tantos abismos.
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