*Por Talita Guimarães
O menino pensativo olha pela janela do ônibus em movimento. O que será que pensa o menino com seus olhinhos cor de mel cerrados e seus cabelos castanhos molhados espetados pra cima? O sol desce pelo céu com seus raiozinhos dourados para o espiar o outro lado do mundo. No caminho toca a face de cenho franzido da criança, que tem a mão no queixo e um olhar longe.

Arte: Talita Guimarães
Sentado no assento à minha frente, o menino de seus dez ou onze anos que derrama o olhar pela janela, é uma figura que contempla o mundo com aquele ar de quem viaja para dentro de si mesmo.
Sua aura emana uma energia tão reflexiva que me pego interessada em seus pensamentos, esse território absolutamente particular e fascinante onde cada um de nós habita inteiramente só.
Contemplo o menino longamente, impressionada com sua capacidade de não se desviar de si mesmo. Quando penso em desviar o olhar a fim de não causar embaraços com minha observação, um movimento súbito no banco à sua frente me captura.
– Tá chegando? – pergunta animadamente uma garotinha com os cabelos divididos em quatro marias-chiquinhas – duas no topo da cabeça, duas próximas à nuca. As mulheres sentadas próximo a ela no ônibus sorriem. Uma delas informa que faltam duas paradas. Sorridente, a pequenina ajoelha na cadeira abraçando-se ao encosto e dirigindo-se ao menino contemplativo, que a essa altura surpreende-me por não mais estar compenetrado na janela, mas encostado no banco aparentemente adormecido.
– Wesley! – chama a garotinha e como ele não atende ela começa a dizer que ele está fingindo dormir. Só então me dou conta de que o menino não está sozinho, mas com a garotinha e a senhora sentada com ela. A parada deles se aproxima e é a mesma minha. Levanto-me ouvindo os protestos da garotinha que começa a achar que o irmão (?) vai ficar pra trás.
Wesley mantém-se de olhos fechados, sentado à janela, até o ônibus parar. Fito-o uma última vez ao passar por seu banco e reparo que há um sorrisinho em seu rosto supostamente adormecido.
Detenho-me na reação da garotinha que parece ao mesmo tempo fascinada e assustada com Wesley, cuja ousadia em esperar o ônibus parar para levantar flerta com o risco de não dar tempo de descer. Quando ela já vai sendo puxada pela mulher degraus abaixo é que Wesley “desperta” e desce do ônibus atrás de mim, arrancando da irmãzinha (?), que já espera na calçada, aquele sorriso orgulhoso digno de quem se extasia com a vitória de seu heroi.
Tomo meu rumo avenida acima e meus passos apressados abrem distância entre nós. Perto de mim contudo, a o menino pensativo e a garotinha maravilhada seguem comigo a postos para me lembrar que contemplar, ousar e se admirar fazem parte do caminho.