*Por Talita Guimarães
As barras do corrimão da ponte são vermelhas. Vermelho vivo, guará. A vista que se revela em um corte abrupto da massa urbana cinzenta e terrosa para um exuberante manguezal verdejante em segundos se abre em leito de rio que desemboca no mar. Vez por outra há uma canoa azul ou um barquinho à vela laranja navegando.
Desde que mudei meu trajeto para pegar o mesmo ônibus que minha irmã todas as manhãs, atravesso a Ponte Bandeira Tribuzzi extasiada com tal visão. São os segundos mais preciosos do dia. Melhor jeito de São Luís me desejar bom dia não deve haver.
É nessa efêmera travessia de todo dia que percebo o quanto é profunda a sensação de estar no mundo quando somos colocados diante de algo que nos atravessa – simbólica e literalmente. A ponte, que leva de um lado a outro da cidade, nos coloca no centro de uma experiência de estar no mundo. Para qualquer lado que eu olhe há rio, mangue e cidade pulsante. Organismo. Vivo. E eu lá junto, respirando.
Revisito em lembrança o longo tempo passado na estrada recentemente. A janela em permanente exibição de paisagens, texturas e realidades tão diversas quanto únicas ensina sobre um país, depois outro e então me traz a sensação que embora segmentado por distintos sentimentos de nação, o continente contém a todos. Há espaço para muito. De São Luís à Montevideo são incontáveis as camadas de sentido que se desvelam. Muito o que nos atravessa e sobre o qual atravessamos. Cidade após cidade, tudo o que é posto diante dos sentidos indica caminhos. Tanto territoriais quanto para dentro de nós.
Ao fim da viagem por Terra, a quilometragem percorrida por dentro é imensurável. Há de bater qualquer velocímetro. E superar qualquer pressa de chegar. Afinal, vida é estar a caminho. Estar no mundo para sentir-se mundo é preciso.