*Por Beatriz Farias
A todo ser que tenha sobrevivido a uma noite em claro pela abundância de motivos possíveis, cabe o compreendimento aqui retratado da outra dimensão espacial que se abre dentro deste período relativamente curto. Além de todas as nuances que se integram desde a noite ao começo do outro dia, observa-se que a madrugada insone é também reveladora. Após o desconforto inicial e ócio regado a xícaras de café e perturbações surgem os pensamentos peculiares. Notas desconexas, frames absurdos e até mesmo as ideias mais banais, a impressão é que a noite insone potencializa o que chamaríamos de inconveniente ou a sanidade censuraria como ilógico. Aparentemente provindas dessa capacidade de tirar as camadas de superficialidade – ou brincar com elas – se encontra os quadrinhos que compõe o livro hoje comentado, quadrinhos com a profunda honestidade dessas noites de insonia, quadrinhos insones.
“Quadrinhos Insones”, de Diego Sanchez, é uma seleção das HQ’s publicadas na internet em edição impressa impecável (a capa brilha no escuro. Repito: brilha no escuro) lançada pela editora Mino. Com uma variedade de assuntos abordados em poucos quadros e um traço que degusta possibilidades com inteligência e sensibilidade, o autor mergulha no incerto do rotineiro para trazer a margem uma síntese do que nos escapa o olhar brusco. Das frustrações em se discutir o amor até o prazer de se ouvir uma música absurdamente alta, cabe muita coisa nos desenhos de Diego.
Com a captação na essência das estranhices miúdas, há um estudo poético (calma lá) da solidão e seus desdobramentos. Além da delicadeza em achar graça da nossa insignificância enquanto ser humano sem menosprezá-la, nota-se uma linguagem curiosa na desmistificação do que é atrativo ao passo de poesia. Ultrapassando o conceito de beleza ou feiura, o conjunto da obra torna possível a compreensão de poesia como renuncia e questionamento do que é considerado poético.
Condensando displicência cotidiana com a intensidade das sensações descuidadas, também cabemos nas vivencias registradas, mas por negligenciarmos seu potencial de encanto ou simples reflexão, não entendemos como experimentar o ápice desses momentos. O ápice, que podendo ser uma coisinha de dois segundos, suspiro ou uma reparada no céu é compreendido aqui com um olhar minucioso de quem alivia nossa incapacidade de contemplação do pequeno demonstrando seu próprio espanto em encontrar explicação no caos ou silêncio.
Os diálogos presentes nas páginas causam estranhamento pela realidade que carregam. A necessidade de imaginar ensaios que bagunça a realidade e distorce nossa visão do que é encantador é desestabilizada pela espontaneidade dos escritos. A naturalidade nas conversas é deslumbrante na medida que demonstra uma ruptura com as falas hollywoodianas a qual crescemos acostumados, sempre tão cheias de intenções e regularidades. Tendo em vista que a fluência dos atos que criamos na cabeça não acontecem tão tranquilamente ao encenarmos na realidade, o livro cria um convite em nos agradarmos ao que não é representação, já que os momentos mais interessantes que temos são repletos de diálogos embaraçosos e situações que não ganham pontos por perfeição (porque além de entediante ela serve para não nos fazer chegar) mas que traduzem uma capacidade nossa a ser desenvolvida de fazer caber menos sentido e mais sinceridade. O livro é então uma ode a esses lampejos inquietos entre uma incerteza ou outra em que conseguimos extrapolar a conveniência e sobreviver a momentos brilhantes de constrangimento, preguiça ou tranquilidade.