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1ResenhaPorDia: Desenho Invisíveis (Troche)

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*Por Beatriz Farias

Você que está lendo. Você pessoa que por algum motivo chegou neste link hoje, para começo de conversa lhe pergunto: você é consciente do termo “muiteza” (originalmente “muchness”)? Se a resposta for não, recomendo que antes de avançar na leitura do livro aqui citado faça uma pesquisa na expressão utilizada pelo Chapeleiro Maluco em “Alice no País das Maravilhas”. Caso ache inviável a checagem no momento, me acompanhe nos comentários e observe o desdobramento dessa mania humanamente tola de tranquilizar nossas inquietações a tudo dando explicações. Hoje, no caso, dirigida ao livro “Desenhos Invisíveis“, do Troche.

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Para começar comentando o clichê pessoal e assim introduzir uma das principais razões de escrever o texto, tratemos de uma curiosidade inicial: a primeira vez que me envolvi com o livro foi por meio da dona deste blogue. A mesma tem uma mania irritante de enquanto lê qualquer coisa, parar pra mostrar o que a surpreendeu para que eu possa rir, chorar ou se espantar com ela. Incomodada com os spoilers que decorre há tantos anos, geralmente já pego o negócio para olhar sem paciência. Foi desta maneira que cheguei no desenho de Troche, e aí é preciso comentar, há uma via de mão dupla para o resultado. Metade do ser que se calou internamente no momento da apreciação expande-se por brechas mais intensas por onde pude ouvir música. No primeiro contato que tive com o livro do uruguaio fez-se canto, e por meio dessa contradição de “silêncio e sons” (já diria Lulu Santos em “Certas coisas”) que fui convidada a olhar o resto e ser também observada pelas páginas que encaram com descrição de quem pede permissão para invadir.

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O quadrinista: Gervasio Troche

O livro lançado no Brasil pela editora Lote42 dos desenhos que brincam com nossos olhos, não é o último trabalho do autor – este ano foi lançado “Bagagem”. O material que reúne desenhos publicados em seu blogue foi às prateleiras brasileiras na verdade em 2014, por meio de uma campanha de financiamento coletivo feita pela editora que propunha uma turnê do autor e seu livro por diversos estados do Brasil.

E eis que surge novamente música para dar forma a ideia. Ao planejar um modo de descrever do que se trata o livro,sabia que não seria possível uma simples sinopse que em tantos outros casos cumpre seu papel de síntese. Dessa maneira,foi selecionado mentalmente uma lista de canções que sugerem diferentes e precisos significados aos desenhos e dentre elas a escolha da canção foi feita por não indicar relação com uma página, mas com todo o sentido do projeto. “Encabulado”, de Ravi Landim (presente no disco “Das andanças e seus retalhos” e já citada por aqui anteriormente) é – atenção: interpretação pessoal – a respeito do que atravessa. “E o peito transborda de tanto ser”.

No paralelo entre canção e livro – e como um cabe dentro do outro – compreende-se a arte como entrada (ou saída) para nossos silêncios: “pode o silêncio denunciar, se tanta calma se vê no olhar? Pra se ouvir, basta não falar. E respirar, e olhar bem fundo esse mesmo olhar”. Quietudes carregadas de tristezas e profundidades, em que até a expressão dos personagens utilizados parece estar aprendendo o tamanho do fardo existente em sentir demais, lidar com a gravidade em sua dimensão psicológica de ver na realidade o tamanho que damos às coisas e física na forma de buscar a leveza, há uma forte presença do espaço. Uma das perturbações ao observar a capa foi com essa linha em que o serzinho se deita tão confortavelmente. Teria algo a ver com o infinito? Não me recordo de onde pesquei a palavra para esse instante. Ainda que na imaginação inocente de que constelações sempre compreendam ligações direta com a infinidade, convenci-me que é mais da entrega mesmo. Nunca entendi o infinito direito – coisa estranha essa de não acabar – por isso tudo que vejo a isso ligado chamo de oportunidade de contemplar (estrela é coisa boa de contemplar, tem isso também). Dei uma olhadela rápida agora e a minha interpretação já é a de quem crê que infinito seja, no fim – antagonismo, o nome disse – olhar com olhos que se permitem fechar.

No livro da escritora Talita Guimarães (que por acaso escreve uma coluna toda quinta feira neste mesmo blogue), Recorte, a maranhense dedica uma crônica para dois amigos, em que fala das vantagens de ser invisível para si. Inspirada no livro de Stephen Chbosky, comenta o quão oportuno lhe foi a possibilidade de “ser invisível”. Ao se notar praticamente parte da decoração, e não sentindo-se assim incomodada, a moça pode observar sem reservas tudo o que a cercava. O nome do livro que hoje estamos falando (antes que você pense que as minhas constantes divagações são a toa) faz caminho similar ao tirar proveito de sua “invisibilidade” para ao invés de ser posto numa folha de papel, dela brotar pela percepção intuitiva do autor. Num curso de interpretação teatral que fiz no começo deste ano, utilizávamos semelhante prática a respeito do nascimento, em que diariamente buscávamos na plantação do nosso ser a raíz para dali fluir. O processo, que de maneira nenhuma poderia ser forçado, demorava na maioria das vezes um longo tempo, nossa mentora insistia: “não finge, não mente pra você!”. Acredito que no livro, como no palco, o que vem a superfície é o que estende de todos os movimentos internos.

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Caso não tenha ficado claro a importância da palavra “muiteza” feita a princípio, ainda com todos os pontos analisados, é necessário um último relâmpago: não se trata de “minha nossa, troche tem tanta muiteza não é mesmo?”. Se trata de uma procura que vai além de respostas palpáveis. Os seres de muiteza buscam a cura provinda da graça do processo percorrido, com seus calos e momentinhos de glória. E isso basta.


 

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