*Por Meiri Farias
Vamos fazer um exercício rápido, tente lembrar das suas aulas de história do ensino médio. Lembrou? agora faça uma lista mental de quantas mulheres foram exaltadas como protagonistas dos grandes acontecimentos históricos do Brasil e do mundo. Tarefa difícil, não? E na filosofia? de Sócrates a Pierre Lévy, quais grandes pensadoras nos ensinaram a cultuar? Posso arriscar Simone de Beauvoir e alguns nomes contemporâneos, mas só as conheci a partir da faculdade. E na literatura, mais fácil? talvez. Ainda assim, com raríssimas exceções, o status de clássico ainda é das obras masculinas. Não acredita? a lista de livros da Fuvest é um bom (mau?) exemplo dessa tese: a relação de obras que devem ser lidas nos próximos anos para um dos principais processos seletivos do país traz apenas um nome feminino, Helena Morley com “Minha Vida de Menina”. (confira a lista completa aqui).
Agora a pergunta mais importante: Isso significa que as mulheres não participaram da construção cultural de nossa sociedade? Obviamente que não! As mulheres contribuíram em todos os campos de conhecimento e ainda assim, são constantemente esquecidas. O projeto “Coisa de Mulher” da artista Raquel Vitorelo vem na contramão dessa invisibilização “com a intenção de ser uma voz contra esse apagamento histórico das conquistas das mulheres, e dando cara e nome a essas conquistas”, como ressalta a artista que é formada em Comunicação e Multimeios pela PUC-SP e trabalha com ilustração, audiovisual, animação e design.
Responsável por projetos como o “Coisa de Mulher” que retrata personagens históricas e seus feitos e o documentário “Mulheres Desenhadas”, onde além de contar um pouco sobre sua trajetória com o desenho, incentivou outras mulheres a produzirem autorretratos, Raquel também trouxe o tema o tema da representatividade para o universo acadêmico com a pesquisa “Valente: a desconstrução dos estereótipos de gênero em uma princesa Disney”, premiada no 23º Encontro de Iniciação Científica da PUC-SP. Conheça mais sobre o trabalho da artista:
Armazém de Cultura: No projeto “Coisa de Mulher” você desenha mulheres referências em diversas áreas, da música a ciência. Como surgiu essa necessidade de apresentar essas personagens por meio do seu traço?
Raquel Vitorelo: A necessidade surgiu de uma inquietação: por que existe coisa de mulher, e por que esse termo tem um sentido pejorativo? Por que coisa de mulher é menor que coisa de homem? E por que devemos nos limitar a essas categorias?
O jeito que encontrei de responder a essas questões foi com esse projeto, com a intenção de ser uma voz contra esse apagamento histórico das conquistas das mulheres, e dando cara e nome a essas conquistas.
AC: No documentário “Mulheres Desenhadas” você conta um pouco sobre sua trajetória com o desenho e da descoberta de como a produção feminina é “invisibilizada” pelo mercado. Como surgiu a necessidade de falar sobre esse tema e como foi a curadoria dos trabalhos que chegaram até você, das mulheres se desenhando?
Raquel: O documentário Mulheres Desenhadas surgiu dentro da faculdade de Multimeios na PUC-SP, durante uma disciplina que fiz com a Profa. Verônica Dias, chamada “Documentário Performático”. Como um dos requisitos era tratar de um tema de forma bastante autoral, escolhi o desenho e o feminismo, que são recorrentes na minha vida.
Veja o Documentário:
Para ver as imagens: http://mulheresdesenhadas.tumblr.com/
Tive como princípio aceitar todo e qualquer trabalho que me fosse enviado, porque não queria dar limites à oportunidade de voz quando o assunto é justamente o espaço que temos nesses lugares. Quem quisesse participar, poderia. Abri a chamada a partir da minha página no Facebook e divulguei em alguns grupos dos quais eu participava.
AC: Conta um pouco sobre a sua HQ Judite! Como foi adaptar uma personagem bíblica para os quadrinhos?
Raquel: Bom, “Judite” foi uma experiência de linguagem: a proposta era usar literalmente recortes do texto bíblico e transformar seus significados através da imagem. Então quis brincar com o contraste do Velho Testamento e dos clichês da ficção científica. A própria Judite é uma personagem poderosa e inteligentíssima no Velho Testamento, então é claro que ela seria uma espécie de super-heroína aposentada que volta a ativa em um momento de necessidade. Foi muito divertido, ainda não consegui completar a história por questões técnicas, mas é um projeto que gostaria de retrabalhar.
AC: Você também levou a questão de gênero para o universo acadêmico com a pesquisa “Valente: A desconstrução dos estereótipos de gênero em uma princesa da Disney”. Você acha que a academia está mais aberta a estudos relacionados à cultura pop? E sobre a pesquisa em si, para você, qual é a importância de personagens como a Merida, que rompem com estereótipos que acabamos naturalizando por falta de representividade?
Raquel: Acredito que sim; a cultura pop é relevante já que tantas pessoas têm acesso a ela, e ela não deixa de refletir a sociedade que a consome e a produz. É um objeto de estudo interessante.
Sobre representatividade através de personagens, gosto desse assunto porque tinha certa dificuldade em me identificar com personagens femininas quando era criança. Acredito que isso se deve em parte a própria falta de variedade de personagens femininas nas narrativas que eu consumia, sejam desenhos animados, videogames ou livros. A questão do protagonismo também é importante, porque em nada adianta termos infinitas personagens femininas se elas são sempre secundárias, incapazes de guiar a própria história.
Essas personagens são importantes, porque elas permitem que as crianças enxerguem o que elas podem ser. E toda criança deveria ter a possibilidade de querer ser seu próprio protagonista.
AC: Quais técnicas de trabalho você utiliza normalmente? manual, digital ou ambas?
Raquel: Gosto muito de trabalhar meio a meio, trazendo parte do processo analógico para o ambiente digital e vice-versa, mas por questão de rapidez muitas vezes acabo ficando apenas no digital (risos). Mas gosto bastante dessa discussão sobre as linguagens que cada técnica permite. Tenho muito carinho pelas técnicas manuais, principalmente porque minha família sempre foi um pouco ligada a isso.
AC: Que trabalhos você acompanha atualmente e indicaria para quem se identificou com o seu?
Raquel: Eu assisto ao desenho animado Steven Universe religiosamente (risos). Me identifico muito com sua criadora, a Rebecca Sugar. Recentemente em uma entrevista, ela resumiu o tema da série nas seguintes palavras: feminismo interseccional. Achei isso muito poderoso, uma afirmação que procuro levar para o meu trabalho.
Gosto muito mesmo do trabalho da Lovelove6, a autora da Garota Siririca. Além do fato das temáticas que ela levanta serem extremamente relevantes, eu também sou apaixonada por acompanhar sua trajetória estética, ver e entender o jeito que ela pensa quadrinhos, pensa narrativa gráfica, e como isso fica evidente no trabalho dela.
É ótimo poder me apaixonar pelo trabalho de mulheres maravilhosas. Aí está de novo a questão da representatividade (risos).
Ótimo
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