*Por Talita Guimarães
Ao entrar naquele consultório médico a primeira coisa que me chamou a atenção foi a janela à minha frente. A armação de alumínio com duas folhas de vidro de correr estava emparedada por fora. Sim, construíram uma parede de alvenaria colada ao prédio pelo lado externo, tapando a vista que aquela janela tivera um dia para oferecer.
Embora taciturna, quase ofertei um sorriso para o símbolo absolutamente apropriado, contido naquele lugar destinado para minhas incursões iniciais pelo universo da psicoterapia.
É que ao chegar ali em um estado de plena desmotivação, sentia meus olhos, outrora janelas pessoais que costumeiramente direcionavam olhares ternos para as paisagens ao redor, emparedados por tijolos de angústias, desesperanças e decepções. Àquela altura da vida, para onde quer eu que lançasse meu olhar, só daria de cara com muralhas impostas pelas crueldades do mundo à minha volta. Tão incompreensíveis quanto a parede construída no posto de saúde.
Curiosamente, cada sessão acontecia em uma sala diferente, que tinha em comum com a anterior a janela com paisagem de tijolos. À medida que a terapia avançava, olhava com acurado interesse para as modificações que se apresentavam. Por uma segunda janela entrava mais luz solar que pela primeira, totalmente lacrada. Mais adiante, uma terceira sala ostentava uma fina cortina com motivos infantis sob a janela de tijolos aparentes.
Por dentro, meus olhos seguiam desfocados, contudo não o suficiente para deixar de reparar nas mudanças de paisagem interior. Aos poucos, os tijolos inseparáveis vão se afastando, como no livro da J.K. Rowling quando Rúbeo Hagrid acessa o portal para o Beco Diagonal pela primeira vez na frente do pequeno Harry Potter.
Após descobrir a senha para desfazer a parede de tijolos erguida em nosso caminho repentinamente, o que se descortina a frente é um mundo possível, com todas as suas nuances boas e ruins, becos e vielas por onde ainda não andamos ou temos receio de andar.
A diferença é que aprendemos a olhar onde estamos sem tentar adivinhar o que encontraremos, mentalizando apenas o que queremos e precisamos com toda a honestidade de nosso coração até que a vida, como nos livros, nos revele portas como a da Sala Precisa, cuja aparição providencial para nos suprir com o que precisamos para solucionar nossos problemas só depende da nossa disposição em desejar resolvê-los.