Por Meiri Farias
O ano de Germana Viana já começou cheio de perspectivas: a autora de Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço, o quadrinho sci-fi mais divertido e empoderado do pedaço, prepara o segundo volume que será lançado em abril, além de diversos outro projetos junto ao coletivo CBGibi, da qual faz parte. Germana conversou com o Armazém sobre diversidade, construção de um mercado de quadrinhos e a mistureba de referência que inspiram o seu trabalho.
“Ainda falta chão pra gente ter um mercado com M maiúsculo, onde autores possam viver apenas de seus quadrinhos, mas a gente chega lá”, explica a artista ressaltando a importância dos coletivos de HQ, de pequenas editoras e das novas ferramentas para viabilização de projetos que partem da internet, como o financiamento coletivo, por exemplo. Outro ponto destacado por Germana é a mudança no perfil da produção e do consumo de quadrinho e da resistência da pequena parcela ainda retrógada que insiste em manter padrões ultrapassados. “A boa notícia pra gente e nem tanto pra eles, é que cultura (seja pop ou não) nunca foi e nunca será uma entidade estagnada, cultura é um troço vivo e que reflete a realidade”, conta a autora que usa o humor para falar de protagonismo feminino e representatividade. “Faz tempo que o ‘normal’ não é mais o homem europeu branco. Olha pra fora da janela, diversidade é o ‘normal’, beibe!”
Confira a segunda entrevista do especial #TodoDiaéDiadaMulher!
Armazém de Cultura: Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço tem mulher e representatividade em um universo sci-fi completamente diferente de tudo que já vimos! Como que a história surgiu?
Germana Viana: Surgiu há muito tempo, lá por 2006 eu já pensava nas personagens, já tinha esboços delas em caderninhos de rascunho, mas não levava pra frente. Mil desculpas: ora porque não “achava” meu traço ora porque não dava tempo, mas na real era apenas insegurança. Daí, anos depois, em 2013, pra ser mais específica, fui no FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos, em BH) e ali rolou uma vontade daquelas que não dava mais para conter! O clima do FIQ é mágico, todo mundo – seja mainstream ou alternativo – produzindo, se ajudando, trocando ideias – olha, se você gosta e quer fazer quadrinhos deveria ir em alguma edição do FIQ pelo menos uma vez, te garanto que é transformador!
Agora, quanto a ter mulher e representatividade num universo sci-fi é porque é um mix de tudo que gosto e quero ver/ler. As minhas personagens se parecem tanto na personalidade quanto fisicamente comigo, com as minhas amigas e com pessoas que observo na rua mas que nem sempre encontro nas obras, sejam quadrinhos, filmes, séries ou livros que aprecio. E o sci-fi, primeiro porque adoro sci-fi, segundo porque por colocar o olhar de quem lê a uma certa distância, a ficção científica (mesmo quando o científico é duvidoso como no caso das minhas histórias hahahaha) permite gerar críticas à sociedade ou mesmo projetar soluções alternativas para o que você não gosta numa estrutura social. E humor… bom, porque sou tosca e não sei falar nada sério mesmo quando estou falando sério. 😀
AC: Sendo uma temática tão original, você teve alguma referência ou inspiração direta?
Germana: Direta não sei, tá mais para um mix, uma mistureba, como disse acima, vou citar as coisas que gosto e vocês certamente vão encontrar traços. Nos quadrinhos amo Sandman (Neil Gaiman), Love and Rockets (los bros Hernandez), qualquer coisa do Mazzucchelli (seja super ou cabeção), Tank Girl (especialmente a fase do Hewlett), qualquer coisa que Michael Allred desenhe. Livros, gosto de muita coisa, mas Terry Pratchett, Douglas Adams, Paul Auster, Tolkien, Harper Lee e Gaiman são autores que releio sempre. Séries como Star Trek e Doctor Who (adooooro o 4th, o 10th e o 12th merecia um showrunner melhor porque o ator é moooito bom! #polêmica) 😛 Música: punk rock, post-punk, grunge, punk brasileiro, punk-cigano, sons balkans, jazz véio (Coltrane, Brubeck, essas coisas, não o soft que aquilo é muriçoca triste)… Cinema… bom, cinema vou do terror Z ao cabeção artsy de festival – falei… mix! 😀
AC:Conta para a gente sobre o CBGibi! É um coletivo de quadrinhos?
Germana: Exatamente! Quadrinhos, sangue e pirataria! \o/ O CBGibi tem quatro integrantes: eu, o André Freitas (autor de Ozman), o André Farias (co-autor de Draconian e roteirista de Prato do Dia) e Paulo Cesar Santos (co-autor de Draconian). Desde as minhas primeiras participações em eventos de quadrinhos, coincidiu de nós quatro sermos vizinhos de mesa, rolou uma sintonia legal entre todos e daí pra gente virar um grupo foi um pulo. A gente tem uma produção solo e está trabalhando em alguns materais em conjunto porque percebeu que a sintonia vai além do conseguir dividir mesa e se divertir no processo. E isso é muito legal!
AC: Falando nisso, o universo do quadrinhos ainda apresenta muita dificuldade para quem está começando? Na sua opinião, qual é o papel dos coletivos, grupos, pequenas editoras e até mesmo a internet, nesse contexto?
Germana: Olha, é um universo que apresenta dificuldade pra todo mundo, não apenas para quem está começando. Mas está num momento muito rico e está ganhando projeção. A galera, veterana ou que está chegando, tem produzido materiais espetaculares, com uma qualidade muito boa e não quer parar nisso. Estamos construindo um cenário legal. Ainda falta coisa, ainda falta chão pra gente ter um mercado com M maiúsculo, onde autores possam viver apenas de seus quadrinhos, mas a gente chega lá. E vai se divertindo enquanto constrói este caminho. E coletivos, pequenas editoras, internet e financiamento coletivo – são certamente ferramentas fundamentais e que estão ajudando muito nessa evolução porque permitem que a gente chegue nas leitoras e leitores sem precisar de uma estrutura antiga e que excluía muita produção.
AC: Ainda falando sobre essa questão de dificuldade, infelizmente ainda lidamos com muitas restrições para as garotas no ambiente da cultura pop de forma geral (exemplo de premiações como o HQ Mix e o Angoulême que praticamente ignoraram a produção feminina). Como lidar com essa situação excludente do mercado? O que ainda precisamos fazer para que a presença de mulheres produtoras e consumidoras de quadrinhos deixe de ser vista com hostilidade?
Germana: Olha, taí um tema foda. Porque ao mesmo tempo que percebemos fãs, editoras grandes, pequenas, jornalistas e produtores de conteúdo nerd já estão antenados, perceberam que o mundo mudou, e que os quadrinhos feitos em moldes que agradavam apenas a uma parcela de leitores já não atingem boa parte de possíveis leitoras e leitores – e quando falo atingem, tô falando tanto de criar aquela paixão que nos faz ler e virar fãs, quanto de construir um mercado – a gente ainda tem uma parcela, que não sei mensurar, mas me parece que embora barulhenta, é pequena, de pessoas retrógradas que tentam, de maneira agressiva, manter certos padrões já ultrapassados. Esses caras estão morrendo, estão perdendo a relevância, mas estão fazendo um belo estrago enquanto morrem, por serem violentos e agressivos. A boa notícia pra gente e nem tanto pra eles, é que cultura (seja pop ou não) nunca foi e nunca será uma entidade estagnada, cultura é um troço vivo e que reflete a realidade. E meu amigo, faz tempo que o “normal” não é mais o homem europeu branco. Olha pra fora da janela, diversidade é o “normal”, beibe! 😉
AC: Quais são os planos para 2016? vem coisa nova por aí?
Germana: Ai!!! Se tudo der certo e a cafeína me ajudar vem muita coisa! 😀
– De cara, já vai rolar “Lizzie Bordello e As Piratas do Espaço 2”, que está quase pronta e que deve ser lançada em abril.
– Eu e o Freitas estamos trabalhando em “Setembro, quando estivemos aqui” que é uma HQ sobre amizade e terror.
– Os roteiros de “Clotilde e Marione” finalmente ficaram redondinhos e agora falta desenhar (Clotilde e Marione são duas velhinhas detetives, algo como Miss Marple encontra Batman).
– Tem participação no “Máquina Zero” mais pro final do ano.
– E tem “Videoclipes de Papel”, que o Farias vai escrever e o Freitas e eu vamos desenhar.