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Harmatã de Pedro Cobiaco: A arte como mergulho em si

São

*Por Beatriz Farias

A ideia inicial enquanto pensava nessa resenha era começar apresentando o significado da palavra do seu título “Harmatã”, para quem, assim como eu ao me deparar com a obra não sabia do que se tratava. Ao reler a história porém  mudei de ideia e fui-me justificada de seu sentido subjetivamente, sem que consultasse explicação no fim do livro, porque para acompanhar o trabalho do quadrinista é necessário mais do que entender essa palavra curiosa, trata-se de capturar a pulsante essência da solidão. Ainda que parecendo distante no texto, a ideia é praticamente palpável na forma com que conduzida, já que o essencial não se preenche por letra, a história se faz entender.

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Muito da graça de escolher um livro sem fazer ideia do que se trata é o preenchimento que este causa. Não é o caso de surpresas já que a única expectativa acompanhando o início da leitura era de que o conteúdo fosse tão único e expressivo quanto a capa e contracapa. O responsável pelo mundo fabulosamente real é Pedro Cobiaco. Nascido em 1996, o artista é quadrinista e ilustrador e fez trabalhos para publicações como Recreio, Super Interessante, entre outras. Após o lançamento independente de Bolhas em 2011, Harmatã apareceu também de forma independente no FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos, de Belo Horizonte, em 2013, recebendo o troféu HQ Mix 2014 na categoria Novo Talento – Roteirista. No ano passado Harmatã foi reimpresso pela editora Mino, frisando mais uma vez essa ideia tantas vezes aqui exposta de um quadrinho sem estigma de faixa etária ou roteiro.

“Harmatã” caminha com um tempo específico. É um diálogo telefônico entre o casal Fábio e Lua que não se veem há bastante tempo e por meio de figuras de linguagens (“metáforas que envolvem natureza pra falar do amor e da vida”, afirmou o autor para o site Vitralizado) destrincham questões como liberdade, vazio e o próprio amor, aquele elo que ali está sem que ambos percebam sua menção. A forma com que Pedro desenvolve a história é de uma originalidade absurda. Não se trata apenas da riqueza no desenho – o movimento pesaroso que este passa é evidente que vem de um talento raro. Mas quando somado a crueza da narrativa que pode ser percebida pela escolha de palavras e utilização de um diálogo simples, é de uma complexidade de tema que assombra por atingir o mais alto grau de identificação. Porque falar de relacionamentos não foge do que acompanhamos cotidianamente, mas escarafunchar dentro disso a individualidade dos seres com suas simplicidades e extravagâncias, é de uma coragem provinda de quem permitiu encontrar isso em si.

IMG_20151206_190552O trecho da foto faz parte do poema utilizado no livro para destacar o instransponível. Os fragmentos escolhidos de “Elegia do Silêncio” do García Lorca estão no ponto exato para que no aconcheguemos nas inquietações do silêncio. E é esse silêncio que soa alto mostrando seus vários sentidos por todo quadrinho. A solidão de Lua, que mais que uma necessidade de dizer ou o inquietamento em ser livre é seu transbordar. “Mesmo fugindo do ruído / permaneces sonante / espectro de harmonia / vestígio de grito e canto.” Ele escritor por cargo repleto de palavras é um vazio natural das reflexões cotidianas. Chega em seu ápice quando ao ouvir uma confissão inesperada mergulha no silêncio e aprofundado nessa “dor de estar cativo” é levado a sua própria descoberta.

Acredito que já tenha comentado outras vezes, mas o meu forte em narrativas são seus miolos, geralmente não me apego a finais. Diferente do que experimentei ao chegar na última página, onde tão repleta da graça de sentir era o que me vinha, que sem encontrar medida de comparar, fiz uso da capa já comentada para demonstração. A capa é de uma grandeza que invade. Sensação de infinitude provocada pelas cores do essencial, vento que não atravessa sem que alguma coisa por dentro seja abruptamente modificado. E assim, ao chegar na última página, ler como o tiro de misericórdia da grande aceitação, a surpresa em chegar até ali e explodir em concordâncias, após esquecer inquietações iniciais de título, aí se encontra a resposta.

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