*Por Beatriz Farias
Desde que me entendo por gente gosto do exercício de olhar a caixa de correspondência na espera de cartas entre outras coisas. Depois de um tempo percebi que a felicidade vinha também quando o carteiro chamava – pra mim é aquela profissão mágica de entregar emoção e mudar a vida dos outros em um ato muito cotidiano e quase despercebido. Foi numa dessas cheganças do carteiro que fui informada que tinha pacote bonito esperando ser aberto, e então sexta feira em que o sol não correspondia com uma ventania interior, o tão esperado “Pétalas” em poucos minutos foi devorado.
“Pétalas é um conto mudo e fechado que trata da vida de uma família de raposas durante um inverno rigoroso. A história se desenrola quando um estranho chega pra mudar tudo. Posso resumir em uma palavra: Generosidade”. Sintetiza Gustavo Borges, que com 19 anos lançou em livro seus dois web quadrinhos “A Entediante Vida de Morte Crens”, “Edgar: Em Busca da Energia dos Ventos” e neste ano “Pétalas”, mais um impresso para chamar de seu. Com uma campanha recorde no Catarse, o gaúcho contou com a conterrânea Cris Peter nas cores. A colorista que já trabalhou em editoras como Marvel e DC Comics teve um olhar cuidadoso no uso de tons visível de quem também se apaixonou pela história, movimento gracioso de estar plenamente envolvido no trabalho que desenvolve.
Com a habilidade de quem sabe que nasceu para contar histórias (como afirmou na entrevista que fizemos com ele no meio do ano), o quadrinista ilustra delicadamente temas como doença e morte deixando a história acessível a qualquer pessoa sem que perca a qualidade, já que sensibilidade quando é sincera tem o poder de ser universal.
A mudez usada para descrever a ausência de palavras preenche o afeto que vai além de verbalizar, cada quadrinho é composto por um tanto de sentimento que qualquer palavra colocada seria imprecisa, excesso. Não se trata de silêncio ou barulho visual, a qualidade da obra está exatamente no cabível, cada pétala encaixada no seu devido aconchego. Além do desafio que o autor se impôs ao fazer uma história onde o artifício de leitura é exclusivamente o desenho, permanece o convite subjetivo de uma ajuda no gesto, que em maioria muito mais faz que o mero discurso.
Talvez seja uma mania particular de destrinchar a sombra, a virgula ou o cantinho da página que aparente nada a primeira vista, mas muito interessa a metáfora do estranho que chega a fim de ajudar sem qualquer outra intenção a não ser o bem. Porque o termo já designa afastamento, algo que merece cuidado. “Não aceite bala de estranhos!” nos alertam os responsáveis quando somos crianças, e então crescemos achando que tudo é por interesse. Estranho é essa nossa mania de aceitar o óbvio, restringindo o que de interessante temos a nós mesmos. A leveza que aqui aquece é uma disposição em dar o que se tem independente do que vem em troca, sabendo que nada liberta mais do que doar-se por amor.
“E assim ele sobreviveu a tempestade”, a fala da peça de Bertolt Brecht que estreei dias atrás e aqui adaptei a significação conclui a ideia de que quando olhamos ao nosso redor percebemos que tem gente simplesmente precisando que deixemos de apreciar o espelho e o ofereçamos a mão, porque se tem uma força que cura a rigorosidade de qualquer inverno essa flor é a amizade.