*Por Beatriz Farias
A Dica de hoje é vontade antiga, fruto das aulas de filosofia que certamente não são apenas o que o vestibular pede, e por isso impulsionam muito além de uma data em que treinaremos nosso poder de decorar. Instruídos para que fizéssemos um trabalho a respeito, fomos apresentados ao documentário “O riso dos outros”, lançado em 2012, dirigido por Pedro Arantes e produzido pela TV Câmara. Recebemos a missão de responder a mesma questão que somos conduzidos durante o filme: vale tudo na comédia?
Pedro Arantes costura o documentário de forma que leva o espectador por várias versões e ideias do que se pode ser considerado humor. Por meio dessa narrativa, “O riso do outro” investiga mais do que o que é engraçado, mas principalmente, porque determinadas situações são aceitas como “engraçadas” socialmente. Arantes é perspicaz ao nos levar a discutir sobre o que estamos rindo. Com uma inteligente escolha de personagens que apresentam opiniões opostas, o diretor trabalha as múltiplas ideias, apresentando um panorama do que provoca riso atualmente e deixando o espectador tirar suas conclusões quanto ao que é “correto” ou não no humor. Entretanto, o caminho escolhido na montagem do filme não deixa dúvidas da carga crítica que o mesmo propõe: quando uma esquete fala sobre assuntos preconceituosos, o personagem que a precede faz uma crítica a este comportamento.
O jornalista e deputado federal, Jean Wyllys comenta o humor e liberdade de expressão, e como a segunda não isenta a irresponsabilidade do primeiro. Para ele, dizer que o humor não é uma ação política (a lógica do riso como o único fim da piada) demonstra um conhecimento muito raso do que é política, além do institucional. Acredita no direito de falar desde que esteja claro que o assunto será debatido e criticado: “A principio nenhum tema deve ser proibido, eu acho que é a forma, a maneira como você coloca o tema é que pode ser ofensivo ou não”. Diferente de Danilo Gentili que deixa visível não se importar com a possível consequência do que diz, contanto que seja aprovado por sua plateia. “Eu me vendo por risos. Se você riu eu to falando”. O personagem reclama da onda do “politicamente correto” mas esquece que é muito mais arcaico fazer piada com temas que já são tão discriminados da sociedade.
Com uma edição bem feita e recortes precisos, é possível notar durante o cenário criado no documentário a relação com o que é considerado ridículo ou diferente se expressa no fazer humor, “toda piada tem um alvo”, é o que afirma o já citado Gentili no momento em que explica que seu único critério é a piada ser engraçada e que como uma prostituta – palavras do próprio -, se vende por riso. Mas aí é que entra o fundamental de assistir esse filme: o que é engraçado? Toda piada nasce de uma opinião, independente de falar do “político que rouba”, “do negro que é ladrão” ou da “mulher burra” que precisa ficar em casa cozinhando. Como uma manifestação artística e também política, o humor é capaz de provocar quem ouve, levantar reflexão. Se o humor necessita de um alvo, é necessário refletir em quem está a mira. Porque minorias políticas socialmente estigmatizadas como negros, mulheres, homossexuais, deficientes geram riso fácil? Como a cartunista Laerte conta, o humor dialoga com o preconceito porque quem ouve dialoga com um determinado repertório de “pré-conceitos” estabelecidos. Limitar a piada a reação de riso sem pensar no impacto social que ela tem a capacidade de causar é idiotizar esse que a diz. É subestimar quem assiste e contribuir com a continuidade de estereótipos.
Jean Wyllys pontua que a piada homofóbica, por exemplo, é sempre contada por um hetero, ou a piada machista por um homem. É um esforço em estigmatizar, diminuir o outro e coloca-lo em um lugar de inferioridade como se fosse algo natural. E não é natural, é cultural. E a cultura muda, se transforma. Já o humorista Rafinha Bastos coloca o termo comedia em conflito ao relatar que “infelizmente é pelo motivo errado elas acharem que eu realmente penso aquilo”. Se você não fala o que defende, ou há contradição ou a ideia é muito fraca. Subir em um palco é correr o risco de ser julgado, ter suas opiniões e identidade expostas. Falar para uma ou cem pessoas é lidar com a responsabilidade de fazer sua ideia circular.
Ainda assim, a maioria dos entrevistados que se opõe a piadas preconceituosas, defende que o problema não é o tema, é a forma que a piada é contada. Nada é “só uma piada”, como Gentili, Bastos e outros tentam reforçar, já que o discurso humorístico também é um discurso ideológico, como explica Laerte, o mesmo tema é capaz de transformar, gerar discussão e reflexão, como alimentar estereótipos e perpetuar preconceitos. Além do entretenimento de qualidade que o assistir produz, o documentário traz a indagação certeira: o que é engraçado na nossa sociedade e o que isso diz sobre nós?
Assista “O Riso dos Outros”: