*Por Beatriz Farias
É a terceira vez que começo um texto apresentando uma música que não chega a ser o motivo da escrita, mas carrega o enlevo do qual fui direcionada ao assunto de hoje. Como não sou jornalista, muito menos escritora formada, menos ainda critica de cinema ou qualquer outra coisa, me permiti ser levada pelos contextos e a graça de encontrar uma música ou ouvir um nome que chame atenção. Essa canção que “musica” um dos meus momentos preferidos do filme tem um aconchego importante para o interesse pela trama, ao mesmo tempo que é o vento no rosto que anuncia o que vamos vivenciar, e a brisa faz carinho.
Aeroporto é o lugar onde as coisas acontecem. Metáfora ou não, recentemente descobri que passaria tranquilamente um dia inteiro observando as pessoas dentro desse mundo paralelo e absurdo que faz a lógica de tempo e espaço reverberar saudade e/ou encontro. As histórias são afloradas no aeroporto, a gente se esquece da novela ou do melhor livro que já lemos, porque ali pulsamos o que os enredos tentam imitar com tanta veracidade: a vida em sua totalidade. Ali as mascaras são retiradas e não dá tempo de interpretar papeis, vamos rever a família há tantos anos distante, fazer a primeira viagem a trabalho sozinho, ou voltar para a tranquilidade do lar independente do que ou quem isso signifique. É a liberdade de ser turista em si, e nessa condição se encontrar. Ao pesquisar o que a expressão “ponte aérea” significa literalmente, o Google me informa que é uma ligação aérea de rotas que possibilitam a união e entrada de algo entre dois pontos ou mais. Se em mim não tivessem tantas vontades a respeito do filme, a explicação do buscador já seria uma responsável síntese do que se trata.
Devido ao mal tempo, um voo que partia do Rio de Janeiro para São Paulo pousa em Belo Horizonte, onde os passageiros precisam esperar para embarcar na manhã seguinte. É no hotel em que ficarão que Bruno (Caio Blat) e Amanda (Letícia Colin) se conhecem e passam a noite juntos, porém no dia seguinte o carioca pega um voo logo cedo e se desencontram.
Já em Sampa o moço procura a paulista – que acabou de ser promovida na agencia de publicidade em que trabalha – e acabam intensificando a relação entre eles. Desse ponto em diante acompanhamos a manobra entre relacionar-se a distância e equilibrar a vida profissional e todo o cursor do mundo que não pode mudar quando se está apaixonado.
Com uma criatividade cuidadosa, a diretora Julia Rezende apresenta duas cidades repletas de “pré-conceitos” e é sensível ao recolorir ou afirmar o que imaginamos delas. Ainda que reforçando essa ideia errônea do paulista pilhado e o carioca “viajadão” captura-se bem o tempo psicológico em que somos programados a respeitar. O roteiro que teve como base “Amor Líquido” de Zygmunt Bauman não subestima quem assiste. A saudade é presente no contexto em que aqueles personagens estão inseridos, mas a trama não caminha em círculos com isso. A principal discussão abordada é essa fuga da realidade que o chamado tempo moderno nos situa, conexão que não aproxima. A possibilidade de conversar a todo instante independente do estar e a falsa sensação de proximidade enquanto caminhamos para uma dificuldade de demonstrar sentimentos e vulgarizar o que é o encontro.
A trilha sonora (que conta com nomes como Rodrigo Amarante, Thiago Pethit entre outros) ocupa o lugar do narrador fazendo uma ambientação das sensações pelo meio sonoro, é um filme que nos pega pela fala, o sotaque canta e colore mais do que qualquer canção – com exceção de Caio Blat, que deixou a desejar nesse quesito -. Se o ator peca na entonação ganha na leveza e descontração, é de uma tranquilidade incômoda de quem realmente não se importa com o dia de amanhã. Já Letícia Colin tem ritmo, apesar dessa necessidade de demonstrar o paulista como um chato sempre mal humorado ou pronto para um super happy hour, impossível não se identificar com essa falta de paciência que não é por mal, mas é o tempo todo.
O restante dos personagens são assumidos por Emílio de Mello, Felipe Camargo, Gabriela Rocha, Martha Nowill e Silvio Guindane que ilustram agilmente outras relações que lidamos na vida, mas é claro o tempo todo a busca pela centralidade, ali estamos destrinchando os objetos de pesquisa Bruno e Amanda, que também estão se estudando. Essa descoberta por si é o que o filme tem de mais original, não importa quantas vezes o tema já foi abordado, a forma de contar a história é diferente. Não é uma comedia romântica, não é um drama muito menos comedia em si. Essa classificação que preenchemos não cumpre seu papel porque a profundidade está no que liga, no que torna tudo isso participante do mesmo contexto e retira o arquétipo de uma coisa só. Normalmente não gosto de final de filmes, mas esse em especial tenho grande simpatia porque nos deixa imaginar o que é dali pra frente. A possibilidade de mudança de vida daqueles dois tão cheios de insegurança e limitações é a confirmação de quem em nós ainda há o que se descobrir. E eu que tenho medo de voar mas acho lindo a metáfora que isso carrega, me aproveito das viagens que faço em mim mesma para turistar pelas ideias inquietas, porque se tem uma coisa que um filme assim traz, é que não existe momento melhor que agora para se desamarrar do que te impede de ser feliz e dançar pela vida.
Assista o trailer de “Ponte Aérea”