* Por Meiri e Beatriz Farias
Quem nos segue nas redes sociais acompanhou a cobertura da 21º Fest Comix, que aconteceu em São Paulo nos dias 17, 18 e 19. A feira que nasceu em 2001 é organizada pela loja Comix Book Shop, livraria especializada em quadrinhos e similares. Desde a primeira edição (que foi realizada na rua, em frente a livraria na Alameda Jaú) até a atual, muita coisa se modificou tanto em dimensão de programações quanto em estrutura e durante o fim de semana o movimento de pessoas que passaram pela São Paulo Expo (atual casa da Fest Comix) foi intenso, movimentado e por vezes caótico.
“Eu acredito que o conhecimento é formado por ideias conflitantes.”
Guilherme Kroll, Balão Editorial
O termo “ideias conflitantes” parece a melhor metáfora para o balanço da feira que dentre os pontos negativos é necessário destacar problemas no translado durante o primeiro dia. A promessa era que a partir das 9h, uma van fizesse o percurso entre a estação Jabaquara e o pavilhão, mas amargamos um atraso de quase quarenta minutos. Como esperado, o sábado atraiu uma quantidade consideravelmente maior de público e o problema com o translado foi resolvido com uma quantidade maior de vans a disposição.
Mesmo no sábado, em nenhum momento a quantidade de público foi opressiva ou dificultou a locomoção. Foi confortável e divertido caminhar pelo pavilhão e trombar vez ou outra com um Batman imponente ou com a família Incrível posando para uma foto. Na Fest Comix o universo nerd pula das páginas de HQ – ou tela do cinema – e vem bater um papo conosco.
Palestras, mesas e exposições interessantes ocupam o lado positivo da feira. A programação caprichada oferecia opções para todos os gostos – de mangá à game, de HQ nacional à Marvel/DC – a Fest Comix provou que tem potencial para ir além de uma feira para vender quadrinhos e se solidificar como uma convenção nerd. Entretanto, é notável a necessidade de solucionar problemas estruturais: a má distribuição de espaço faz com que uma atividade atrapalhe a outra. A proximidade dos principais pontos de atividades (Arena Comix, Minas Nerds, JBC Henshin e a palco Fest Cosplay) com barulho exorbitante de um estande prejudica (e muito) uma palestra com áudio inferior. E claro, após três dias ouvindo o tema de Frozen repetidamente (bendito “Lerigou”) é pouco provável que continuemos em plena posse de nossas faculdades mentais. (Digo isso como alguém que acha o filme adorável, mas não suporta mais essa musiquinha insuportável). Para colocar as ideias nos eixos, vamos destrinchar o evento por espaço.
Arena Comix
Com temas bem escolhidos e convidados interessantes, a Arena Comix pecou na organização e estrutura já que algumas palestras começaram atrasadas. O som baixo somado aos barulhos externos causavam incomodo e o conteúdo que estava sendo transmitido merecia uma infraestrutura a altura. Boa iniciativa mal executada.Contudo, vale exaltar a relevância dos temas abordados. Respeitando as diretrizes do blog, focamos em conteúdo nacional e infelizmente não conseguimos participar de todos as atividades (como o painel concorridíssimo com Nobuhiro Watsuki ou mesas com representantes da Marvel e DC). Na Arena Comix participamos de três mesas, uma para cada dia do evento: Quadrinho Nacional, com editoras; Quadrinho Arretado, que contou com a participação de quadrinistas nordestinos para comentar a produção local e o esperado painel Graphic MSP que trouxe autores que participaram do projeto com mediação do Sidney Gusman.
Na sexta-feira a discussão sobre a produção nacional reuniu representantes das editoras Mino, Balão Editorial, Marsupial, Aquário, Veneta, Zarabatana, Draco e Jambô. Apesar da dificuldade em função do volume quase inaudível do microfone, a mesa trouxe uma panorama interessante do papel das editoras em relação ao que os novos artistas estão produzindo atualmente. Viabilidade econômica x relevância editorial, função das editoras no universo independente e a relação com os artistas foram alguns dos assuntos tratados.
Veja nossa galeria de fotos da 21º Fest Comix completa
A pauta da nossa cobertura do segundo dia foi a produção danada de boa que vem lá do Nordeste, “Quadrinhos Arretados” é o nome do painel que reuniu os paraibanos Mike Deodato Jr., Shiko, Jackson Hebert e o baiano Flávio Luiz. Sempre analisando a cena da produção contemporânea de quadrinhos, o foco do debate foi destrinchar como o local de origem de cada artista interferiu em seu trabalho e derrubar mitos. “Existe um equívoco que o Nordeste se resume a isso: seca, o que é tradicional, folclórico. O Nordeste também é urbano”, explica Shiko.
A 21º Fest Comix se encerrou com o esperado painel Graphic MSP que contou com a presença dos artistas que participaram do projeto Danilo Beyruth, Gustavo Duarte, Vitor e Lu Cafaggi, Eduardo Damasceno, Luís Felipe Garrocho, Cris Eiko e Paulo Crumbim. A mediação ficou por conta de Sidney Gusman, responsável pelo planejamento editorial da Maurício de Sousa Produções e idealizador do projeto. A mesa foi divertida e relembrou momentos importantes da produção de cada artista, onde Sidney conduziu com descontração apesar do cansaço visível em todos os presentes (inclusive a nossa). A intensidade de atividades e do público alcançado fez com que, até durante a palestra, os irmãos Cafaggi continuassem a atender a fila de autógrafos de “Lições”, segunda graphic que os irmãos lançaram pelo selo.
Exposições
Pequenas exposições espalhadas pelo pavilhão tornaram o evento muito mais interessante e, porque não, educativo. Particularmente me interesso muito por mostras criativas e que apresentem um determinado universo de forma inusitada. Foi o que aconteceu com a Expo CAFA. “Composição artística com figuras de ação” é uma comunidade que reúne fotografias criativas com actions figures. A exposição com fotografias apresentou o trabalho de 25 ilustrações de diversos fotógrafos, que trabalham de uma maneira inusitada o seu hobby de colecionismo. Também trouxe dicas de fotografias com as figuras de ação. Interessante ver como com determinadas técnicas de iluminação e posicionamento das figuras é possível levar nossos heróis favoritos para universos completamente diferentes. E falando em herói, o espaço comandado pela revista Mundo dos Super-Heróis apresenta três exposições em homenagem aos universos Marvel e DC: Demolidor, Batman nas HQs e outra sobre a história da DC Comics que completa 80 anos em 2015.
Outra exposição que valeu a visita, foi a mostra Grande Mestre dos Quadrinhos em memória do artista português Jayme Cortez. Com replicas e originais, a pequena exposição mostrou a versatilidade do artista ao mostrar lado a lado trabalhos com técnicas diversas.
A quarta exposição da Fest Comix, e nossa favorita, merece um capítulo a parte.
Minas Nerds
Minas Nerds foi espaço de aprendizado e reconhecimento nesses três dias. O coletivo nasceu em um grupo no Facebook, que se tornou page, que se tornou estande na Fest Comix. O deslocamento para o espaço físico trouxe discussões sobre cultura nerd e como a mulher desbrava e se afirma dentro desse universo, muitas vezes hostil à presença feminina. Decididamente, um dos maiores acertos do evento.
Mães nerds, Ciberbullying e violência na internet e Mulheres na HQ foram os principais assuntos levantados durante a programação. Vale menção especial ao painel “Y: O último Homem”, que apresentou a percepção do homem sobre as mulheres na cultura pop e a mesa “Nerdiversidade” que levantou a discussão sobre identidade de gênero e a superação de amarras e preconceitos impostas pela mentalidade ainda heteronormativa do nosso cotidiano. Reflexão importante de como a comunidade LGBT e outras pessoas que não se encaixam em descrições binárias de gênero se encaixam e se reconhecem na cultura pop.
Tanto durante o evento, quanto na atuação pela internet, o Minas Nerds traz uma proposta muito interessante de como discutir o feminismo de forma gregária, sem excluir determinado grupo. Em tempos de intolerância generalizada, um espaço de livre expressão para a mulher (e nerd) é necessário. A expo “Desenhe como uma garota: A mulher no mercado de arte geek/nerd” completa a lista de exposições e fecha nossas considerações sobre o Minas Nerds, espaço que mais frequentamos durante a Fest Comix. A exposição apresentou trabalhos de artistas de estilos diversos como Adriana Melo, Lu Cafaggi, Rebeca Prado, Fefê Torquanto entre outras.
Fest Cosplay
Uma oportunidade que esse tipo de evento promove é se caracterizar e interagir com personagens que fazem parte desse universo. De Coringa à Merida, não se trata apenas de “gente fantasiada”, o Fest Cosplay é uma reunião de pessoas que se propõe a gastar tempo e dinheiro para fazer “realidade” o que vemos nos quadrinhos e na TV. Super poder mesmo é andar de Batman ou Homem de Ferro quando o calor anuncia que o dia pode derreter.
Com palestras, workshops e desfiles com concursos, a ideia do espaço é interessantíssima (e até mesmo o prêmio para o concurso era tentador: vale compras de até R$500 na Comix Book Shop). Contudo, a organização do espaço que ficou ao cargo do grupo Comics Cosplay BR deixou muito a desejar. Atraso nos desfiles, falta de ordem e principalmente excesso de “descontração” (leia-se bagunça) prejudicou a apreciação da programação. Os organizadores não sabiam como se portar e ocuparam o tempo vago com piadinhas e brincadeiras inconvenientes, o que gerou incômodo. Por outro lado, os cosplayers se destacaram pela criatividade de seus figurinos sempre colaborando para que o evento fique mais interessante e divertido.
Área dos Artistas
A “Área dos Artistas” sempre traz surpresas e descobertas interessantes para fãs da produção nacional ou curiosos interessados em todo tipo de HQ. A Fest Comix recebeu mais de cem artistas e ofereceu uma ótima oportunidade para conhecer, comprar e pegar autógrafos.
Com um leque diversificado do que vem sendo produzido no país, o espaço é bem recebido tanto por quem já conhece e sobretudo por aqueles que anseiam por promoções e artigos especiais como prints e artes exclusivas. É momento de encontro, reconhecimento e apresentação aos mais resistentes quanto a qualidade dos artistas brasileiros, bandeira que levantamos constantemente aqui no blog. Pela área dos artistas você poderia cruzar com vários quadrinistas que já apresentamos por aqui como Will Leite, Raul Muradi, Bianca Pinheiro, Vitor Cafaggi, Gustavo Borges, Pedro Leite, Fernanda Nia e Fefê Torquato.
Para quem prioriza as compras, a Fest Comix trouxe diversos logistas, editoras e sebos e diversas possibilidades de encontrar artigos de colecionador, além de lançamentos. Difícil sair com poucas sacolas de um evento como esse (não jornalista nerd – pobre – que precisa se contentar com uma espécie de voyeurismo do consumo alheio). A Comix é uma ótima opção de feira e mostra muito potencial para se solidificar como um evento importante no calendário nerd. Mas para aprofundar a discussão é necessário que as ideias conflitantes fomente a mesa de debate e não a estrutura do evento.
O Armazém publicou atualizações durante todo o evento pelo Twitter e esporadicamente pelo Facebook. Também selecionamos as melhores citações do evento, confira: