* Por Meiri Farias
“Meu verso, temo, vem do berço
Não versejo porque quero
Versejo quando converso
E converso por conversar
Pra que sirvo senão pra isto
Pra ser vinte e pra ser visto
Pra ser versa e pra ser vice
Pra ser a super superfície
Onde o verbo vem ser mais?
Não sirvo pra observar
Verso, persevero e conservo
Um susto de quem se perde
No exato lugar onde está
Onde estará meu verso?
Em algum lugar de um lugar
Onde o avesso do inverso
Começa a ver e ficar
Por mais prosas que eu perverta
Não permita Deus que eu perca
Meu jeito de versejar” (Diversonagens Suspersas)
Em 2013 comprei o livro “Toda Poesia” do Paulo Leminski em um daqueles rompantes literários que resultam nas minhas mais inconsequentes e favoritas aquisições. Já contei no texto sobre o livro Dois em um (Alice Ruiz), sobre o processo gradual que foi meu encantamento com a poesia e como o trabalho de ambos foi fundamental nesse processo. Essas palavras estranhas e dançantes que brincam com nossos sentidos, se tornam alimento para mente e para alma. Diversonagens Suspersas seria música mesmo que não fosse. Mas é.
Inspirada pela diversidade artística do pai, Estrela Ruiz Leminski organizou em um disco duplo com composições e parcerias de Leminski. O “Leminskanções” foi lançado em 2014 e conta com participações de Zeca Baleiro, Ná Ozetti, Bernardo Bravo, entre outros. “Meu pai compôs demais, a carreira dele de compositor correu paralelamente e tão intensamente quanto literária”, conta. Estrela também é uma das curadoras da exposição “Múltiplo Leminski” que chega ao último fim de semana em São Paulo. (Confira nossa resenha aqui)
A artista, que carrega a poética sem rótulos herdada de seus pais (Paulo e Alice), fala sobre o projeto e a multiplicidade artística dos poetas. “Os meus pais sempre lutaram para não serem engessados a nenhum movimento e sempre extraíram o melhor de cada um. Eu persigo isso também, tanto na música que eu faço quanto na literatura.”
Armazém de Cultura: O Leminskanções apresenta o lado compositor de Paulo Leminski, como surgiu a ideia de realizar esse projeto e como foi a organização do disco?
Estrela Ruiz Leminski: O Leminskanções começou quando eu e minha mãe nos demos conta de que muitas pessoas não faziam ideia que o Paulo era compositor. Nos anos 1980, muitas pessoas conheciam a poesia dele justamente através do Paulo Leminski compositor, que estava na mídia em todas as faixas etárias, desde o Pirlimpimpim, que era um especial infantil, até A Cor do Som, com gravações do Caetano Veloso. Eu montei o show com esse repertório, e percebi que estava trabalhando principalmente as músicas que as pessoas mais conheciam, o que foi muito legal, pois muitas deram esse retorno dizendo que tinham notado que conheciam muitas músicas dele e que aquilo deveria ser um CD. Por outro lado, eu vi que essas músicas já haviam sido gravadas e que ainda tinha muita coisa inédita, muito legal, que estava de fora. Aí foi um Deus nos acuda porque eu queria fazer caber tudo em um CD, por isso acabou virando um CD duplo. E eu quis separar bem, um só de letra e música compostas por ele e outro de parcerias. Meu pai compôs demais, a carreira dele de compositor correu paralelamente e tão intensamente quanto literária. Foi gravado por pessoas como Caetano, Ney Matogrosso e convocado para parcerias por pessoas fundamentais do tropicalismo, da Vanguarda Paulista e da cena curitibana. Mas como ele não queria se dedicar a interpretar suas próprias composições tem muita gente que atribui canções dele como se fossem parcerias.
AC: Falando da exposição, a você faz parte da curadoria, certo? Como foi realizar esse trabalho, que assim como o CD apresenta outras facetas do Leminski enquanto artista?
Estrela: A primeira exposição aconteceu final de 2012. Foi ótimo porque ela juntou o útil ao agradável. O útil era a organização deste material do meu pai e disponibilização ao público, o agradável é estar ali compartilhando as coisas que a gente admira no meu pai e estar fazendo isso ao lado da minha mãe e irmã. E cada montagem é única, o espaço pede uma estrutura e abordagem diferente. Como o nosso olhar sobre o acervo também muda às vezes a gente descobre coisas que não sabíamos que existiam, às vezes redescobrimos coisas que já tínhamos visto, mas olhamos de um jeito diferente. E isso continua. Abro em maio uma exposição sobre a obra da minha mãe em Curitiba.
Confira a galeria de fotos da Exposição Múltiplo Leminski
AC: Além do Leminski, você também é filha da Alice Ruiz. Ter crescido em uma ambiente cercado de arte influenciou muito o trabalho de vocês, tanto na música quanto na poesia?
Estrela: Quando me perguntam sobre a influências dos meus pais na poesia eu sempre respondi que a minha vivência com eles sempre foi na música. Minha infância foi marcada por música, os amigos eram músicos, as viagens eram pra compor música. Os meus pais sempre lutaram para não serem engessados a nenhum movimento e sempre extraíram o melhor de cada um. Eu persigo isso também, tanto na música que eu faço quanto na literatura.
AC: Voltando para o Leminskações, o disco conta com várias participações (Arnaldo Antunes, Bernardo Bravo, Zeca Baleiro, Zélia Duncan, Ná Ozetti e Serena Assumpção), como aconteceu?
Estrela: Foi natural, eu queria que pessoas que tivessem afinidades com a obra dele e/ou que foram amigos estivessem comigo nisso. O Zeca Baleiro por exemplo, que gravou Se Houver Céu, esta música era este um de seus maiores hits quando, ele tocava em bares em São Luís do Maranhão. Mas também tem gente bacana da cena curitibana que também está lá: Uyara Torrente (Banda mais Bonita da Cidade), Leo Fressato, Grace Torres (Grupo Fato), Iria Braga, Otto Nascarella, Bernardo Bravo, Juliana Cortes e Rogéria Holtz…
Para escutar o disco:
AC: O projeto gráfico do disco também está muito bonito! poderiam falar um pouco sobre?
Estrela: O trabalho gráfico é do Marco Mazzarotto que é um artista visual fantástico. Ele sempre está nos nossos trabalhos e chega com soluções fantásticas. A gente buscou essa ideia de acervo e material bruto jogado nos tempos atuais, virtuais digitais. Então o material traz fotos já conhecidas retrabalhadas. A capa eu desenhei através de várias fotos, é um Frankstein de imagens dele tocando e ele aproveitou a postura rock n roll e criou ele em diversas cores, diversas versões, que é o que rola na parte musical também. Fizemos até a brincadeira de colocar uma foto que eu remontei a partir de uma imagem já bem conhecida dele assoprando uma flor…
AC: O Leminski foi um artista muito diverso que se envolveu com diversas linguagens artísticas e isso também se reflete na diversidade de ritmos e sonoridades do disco. Como foi esse trabalho, arranjos, produção?
Estrela: Uma coisa que eu também achava fundamental para esse disco era que trouxesse o repertório sonoro dele. Como os LPs dos meus pais estão comigo, esse repertório das coisas que ele ouvia ficou muito latente e eu quis trazê-lo para dentro dos arranjos. É bem legal que muitos ouçam e falem que é estranho porque remete muito aos anos 1980, embora seja também muito atual − e é isso mesmo, não é só na poesia que o Paulo continua sendo atual, na música também. Então, eu tive o intuito de tentar trabalhar com esses opostos que ele era, com essa erudição absurda e, ao mesmo tempo, com o coloquialismo e a espontaneidade desse cara que estava colocando a jaqueta de couro, agitando no show do 365 e ouvindo The Clash na cara do Arnaldo. Esses opostos tinham que, de alguma forma, estar presentes no disco, por isso as participações especiais, os arranjos. E ainda tem muito de lirismo, tem canções lindas e românticas porque ele também tinha esse lado.
Ouça “Diversonagens Suspersas”: