* Por Meiri Farias
Assisti Selma um dia depois de ver Sniper Americano e alguns minutos depois de terminar a resenha. Os tiros ainda ecoavam na lembrança, seguido pelo contraste entre a indignação ideológica e tentativa de não contaminar (muito) o conteúdo da resenha. Selma é um filme muito mais brutal que Sniper. Não me refiro a brutalidade física, embora ela também se faça presente, mas a brutalidade ideológica. Diferente de Sniper, o filme mostra o tempo inteiro o conflito político existente. Mas semelhante ao filme bélico, Selma é baseado em uma história real onde o a “guerra” acontece pela não aceitação do diferente.
Algumas personalidades se tornam tão icônicas que lembramos da sua figura, mas não de sua humanidade ou trabalho. Me responda rapidamente: é mais fácil lembrar de uma música ou do topete do Elvis Presley? Assuma que a primeira lembrança que vem a mente ao pensar em Marilyn Monroe é a do vestido esvoaçante e o rosto estampado em Pop Art. Os exemplos são clichês, mas funciona mais ou menos assim com Martin Luther King. Sabemos quem ele é, símbolo da luta e resistência da comunidade negra nos EUA. Mas ao pensar em seu nome, tenho certeza que, assim como eu, você lembra do “I have a dream” sem muita atenção. A personalidade em detrimento da pessoa e até mesmo de sua luta.
O filme mostra a cinebiografia de King, que acompanha as marchas realizadas por ele e manifestantes pacifistas em 1965, entre a cidade de Selma, no interior do Alabama, até a capital do estado, Montgomery em busca de direitos eleitorais. Assistir Selma é refletir sobre algo que sabemos mas não nos permitimos pensar. A questão dos direitos da comunidade negra nos EUA teve maior visibilidade e atraiu atenção, mas está longe de ser o único exemplo. E nos sabemos e nos sentimos isso hoje depois de cinquenta anos da luta de King, no nosso país que tem como tradição velar e amenizar o preconceito. Este que vem da rotina, da “brincadeira”, que é “coisa de preto”, “humor negro”, “dia de branco”. O preconceito do cotidiano a qual estamos tão acostumados e, por isso mesmo, é mais perigoso.
No filme, o conflito se foca no direito pelo voto, voz dentro da luta pela igualdade. Reunir pessoas e cruzar uma ponte é muito mais simbólico do que simplesmente adentrar um território. Me choquei ao ver uma pessoa sendo atacada com um chicote e senti toda a hipocrisia de décadas. Desde os tempos coloniais os negros são atacados com chicotes dos mais diferentes materiais: Feitos de intolerância, violência, carência, miséria ou a mesmo a condescendência do preconceito velado em tempos de falso politicamente correto.
Selma tem outras qualidades, como a trilha sonora incrível e a crueza dos momentos de violência. Como ponto negativo é preciso comparar mais uma vez ao Sniper: o nacionalismo americano é irritante seja em conflitos internos ou externos e contagia a mensagem que poderia ser universal. Ainda assim, não se trata de mero entretenimento, Selma é um filme que te obriga a decidir: quando você irá atravessar suas pontes?
Direção: Ava DuVernay. Elenco: David Oyelowo, Tom Wilkinson, Tim Roth, Carmen Ejogo, Common, Giovanni Ribisi, Cuba Gooding Jr., Oprah Winfrey
Duração: 127 min. Classificação: +14
Trailer: