* Por Meiri Farias
É preciso avisar: tenho um leve preconceito em relação a filmes de guerra. E onde se lê preconceito, não significa repúdio imediato, mas literalmente conceitos pré estabelecidos que me levam a prever (e geralmente discordar) dos caminhos escolhidos para contar a história. Com Sniper Americano não seria diferente. Digo isso para deixar claro, ainda no início da conversa, que obviamente minha opinião sobre o filme está contaminada pelos meus valores e estes não incluem simpatia pelo ufanismo exacerbado dos EUA.
Sniper dirigido por Clint Eastwood e produzido por Bradley Cooper, que também protagoniza o longa, é uma adaptação do livro “American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Military History”, autobiografia do famoso atirador americano Chris Kyle, portanto o viés pelo qual a história é contada é explicitamente “americanizado”, sem muito espaço para divergência ou reflexão política. Não é apenas um filme sobre a guerra, é a guerra transfigurada em longa, onde o tempo não deveria ser contado em minutos e sim em tiros.
Não entenda errado, Sniper é um filme muitíssimo bem feito. O início é ágil e a sacada de começar a partir da primeira vez que Chris puxa o gatilho na guerra, disparando a lembrança do seu primeiro tiro na infância, é genial. A partir disso vamos conhecer o convívio familiar na qual o garoto está inserido e compreender o que justificou suas escolhas e o caminho que o levou para guerra. Seu pai classifica as pessoas em três categorias: Os carneiros, frágeis e submisso; os lobos, predadores que se encarregam dos carneiros e os cães que protegem os demais. Chris cresceu com essa referência, é necessário ser um cão de caça e se sacrificar pelos fracos e oprimidos.
Esse caráter “messiânico” é o que o leva a se alistar, já com uma idade mais avançada do que o habitual (30 anos). A motivação de Chris é essencialmente proteger e honrar o seu país (ou pelo menos isso é o que ele deixa transparecer na biografia que culminou na adaptação). Com o senso de dever, ele encara o estereótipo de herói que parte para combater vilões bárbaros e selvagens (sim, eles utilizam o termo SELVAGEM) que atentam contra sua nação. Que promovem guerras “contra” o seu país. Em seus momentos mais heroicos, ele chega a dizer que “morreria pelos EUA”.
Certo, hora de abrir um parêntese: O mínimo de conhecimento histórico nos leva a refletir que todas as guerras envolvem fatores como território, divergência cultural e economia. Questões políticas, que são convenientemente ignoradas em Sniper. Não importa mostrar o contexto em que o conflito se desenrola, apenas apresentar novamente o espetáculo das torres desabando no 11 de setembro. Apenas suscitar choque e horror, sem questionamento. Não é necessário entrar em teorias da conspiração, mas é impossível não se incomodar com o arquétipo do herói americano. Talvez por estudar jornalismo, não consigo aceitar apenas um lado da história e ignorar a realidade e a subjetividade do outro. Durante o filme, muçulmanos são sempre loucos homicidas ou conciliadores hipócritas, não há humanidade e a própria imagem da cidade se mostra hostil aos invasores.
Um dos exemplos de como o enredo poderia ser aprofundado, é a construção do personagem de Mustafa, atirador do lado “inimigo”. Em uma cena vemos rapidamente a semelhança de sua vida com o próprio Chris: núcleo familiar, conflitos e senso de dever. Mas não há uma preocupação em compreender suas motivações reais ou realmente traçar um paralelo entre os dois personagens, o que certamente enriqueceria o enredo.
Uma das cenas mais incomodas é quando um muçulmano é atingido dentro de um carro: Em uma mão uma granada e na outra um masbaha (espécie de terço, símbolo religioso). A associação é perversa e perigosa, em tempos de intolerância suscitada pelos atentados na França. É fácil associar o caráter “maligno” do Islã em detrimento do soldado, que disparou o tiro, mas carrega uma Bíblia no bolso.
O filme ainda mostra os conflitos morais de Chris, as dificuldades da família em lidar com a situação e a própria dificuldade de sair da guerra, já que ela não dele, mas não vale a pena aprofundar em spoilers. Vale dizer que as mortes chocam e atiram o horror em nossa cara de forma brutal, o que seria um ponto positivo para o filme se não fosse tão unilateral. No fundo do fundo do fundo, há uma intenção crítica de mostrar a forma que a guerra robotiza e aliena o soldado. Mas essa pretensão é tão discreta que perde força e colabora justamente para o contrário: O estereótipo do americano forte, heroico, lendário, o “cão” que protege os seus, apenas se solidifica. E o outro é sempre o bárbaro.
Direção: Clint Eastwood. Elenco: Bradley Cooper, Sienna Miller, Luke Grimes
Duração: 134 min. Classificação: +16
Trailer: