* Por Meiri Farias
“É casada com a palavra, mas vive de caso com a música”, trecho da pequena biografia que se encontra no final do livro Dois em um, revela a ‘infidelidade’ artística que permeia todo o livro de Alice Ruiz. Mas não importa, suas palavras cantam mesmo quando não são musicadas.
Demorei muito para gostar de poesia. Quando criança, não conseguia compreender aquelas palavras com rima, tinha medo delas e de sua falta de linearidade. Cheguei ao ponto de implicar com o gênero, tão ferrenha defensora da prosa que era. Militante incondicional do começo, meio e fim, climax e lógica racional. Isso começou a mudar quando no meio da adolescência conheci Fernando Pessoas e seus muitos “eus”, resisti. Balancei com Quintana, fraquejei em Drummond. Mas fui arremessada no chão quando li Paulo Leminski e com ele toda a poesia sonora, desenho, sublime de Alice Ruiz.
A poesia de Alice é de uma simplicidade absurda. O ritmo é envolvente e em uma viagem de trem você devora um livro como este. Mas não confunda simplicidade com superficialidade. Alice é sofisticada ao mesmo tempo. Intrigante, tece suas palavras com elegância. Seus poemas estão cheios de entrelinhas, na forma e no conteúdo.
“Dois em um” é uma pequena coletânea que reúne poemas dos livros Vice Versos (1988) e Pelos Pelos (1984). Originária da geração “pós mimeografo”, “pós marginal” dos nos 70, Alice se afina com o espírito concreto que sintetizou o renascimento poético nos anos 80.
Alice escreve sobre tudo, das mais diversas formas possíveis. Mas direta ou indiretamente, há um movimento metalinguístico de se refletir sobre a própria função do poema. A poesia é o meio, mas também a mensagem. A ideia de uma poesia concreta, contemporânea, com ares de haicai, convive com rimas carregadas de lirismo subjetividade até certa melancolia saudosista.
Tudo é poema pra Alice e o trabalho de intertextualidade dá origem a um dos melhores do livro: Drummundana. O “E agora, José?” se torna “E agora, Maria?”, que fala sobre o fim do sonho, fantasias que acabam. Um dos meus favoritos do livro.
Geralmente conto como o livro veio parar na minha estante, mas falar sobre poesia subverte qualquer necessidade de estrutura. Basta dizer que o livro saltou da livraria para a minha prateleira com um simples folhear de páginas. A poesia de Alice é arte em todas as dimensões. É literatura, é canção. Mas o som é colorido.
Para conhecer mais da poesia de Alice: