Projeto Mulheres apresenta feminismo interseccional por meio de ilustrações
* Por Meiri Farias
Perguntas para as meninas: O que te faz mulher? Seu cabelo comprido, vestido rodado? orientação sexual? a TPM? a profissão? Mais importante, o que te identifica como mulher? Sua aparência? suas escolhas? as imposições sociais? Mais importante ainda, no século XXI, ano de 2014: O que é ser mulher?
Foto: Site Carol Rossetti
A ilustradora mineira Carol Rossetti discute o assunto com sua arte, a partir do desconforto pessoal com as expectativas e imposições que a sociedade destina diariamente a mulher. Seus desenhos são sensíveis e buscam tratar de assuntos nem sempre explorados nas pautas feminista, se identificando com temas do chamado feminismo interseccional (termos difundido pelas feministas negras na década de 80 que engloba reivindicações de classe, gênero e raça, identidade, entre outras categorias).
O Projeto Mulheres alcançou repercussão internacionalmente e além das ilustrações tradicionais em português, Carol cria versões em diversas línguas com inglês, espanhol, árabe, francês, entre outras. Confira a conversa com a artista!
Armazém de Cultura: “Eu me sinto muito incomodada com as tantas formas de controle existentes sobre os corpos, comportamentos e identidade das mulheres”, Essa frase parece uma boa definição para o projeto, poderia dissertar um pouco sobre esse trabalho e a intencionalidade?
Carol Rossetti: Sim, acredito que essa frase resuma bem como comecei a me envolver com questões feministas. Mas o projeto acabou se tornando maior do que o meu desconforto pessoal com expectativas sociais. Como eu me identifico com o feminismo interseccional, eu acabo tocando em temas que não me afetam diretamente, como a opressão sofrida por pessoas trans, negras, deficientes físicas… Acredito que atualmente meu trabalho seja principalmente sobre representação de pessoas, e como todos os corpos, gêneros e identidades merecem ser representados.
AC: A mulher brasileira ainda é muito reprimida pela sociedade? O que você acha que tem melhorado nesse sentido e o que ainda precisa mudar?
Carol: Sim, com certeza. Não apenas a brasileira, como mulheres do mundo inteiro, em proporções e situações diferentes. Acho que o principal que vem mudando é a discussão. As pessoas tem conversado mais sobre feminismo e sobre o que as incomoda, e isso é algo muito positivo. Mas muita coisa ainda precisa ser feita. É necessário que haja uma conscientização maior sobre assédio nas ruas, é preciso discutir a chamada cultura do estupro e o aborto já deveria ter sido descriminalizado há muito tempo. E existem muitas outras questões além dessas.
AC: Um aspecto interessante do projeto é apresentar o trabalho com versões em diferentes idiomas. Mostra uma noção da universalidade das angustias (e também conquistas!) das mulheres. Como surgiu essa ideia?
Carol: Isso veio muito naturalmente. Eu comecei a postar primeiro em inglês, por causa de amigos meus que não são brasileiros. Mas eu percebi que o conteúdo estava sendo compartilhado por gente de diversos países, e várias pessoas entraram em contato comigo se oferecendo para fazer as traduções. Isso foi um fenômeno incrível, e tenho aprendido bastante neste processo.
AC: Isso também tem levado a uma repercussão da mídia de outros países, o que tem achado desse reconhecimento?
Carol: Isso é realmente incrível, e muito inesperado. Tudo aconteceu muito rápido, fiquei sem palavras. É difícil descrever o quanto fico feliz com esse reconhecimento.
AC: Por um lado temos a temática dedicada a mulher e por outro vemos que ainda falta visibilidade para mulheres que desenham ou produzem quadrinhos. É um meio machista? Poderia indicar outras meninas que estão produzindo um trabalho interessante nesse sentido?
Carol: Sim, é um meio tradicionalmente ocupado por pessoas do gênero masculino. Mas eu vejo que isso está mudando, e as mulheres estão se firmando cada vez mais neste universo, produzindo trabalhos incríveis. Vejo isso todos os dias, tem uma produção muito rica em quadrinhos e ilustração feita por mulheres. A Aline Lemos (Desalineada), Rebeca Prado (Inc), Ana Schirmer (Ana, Só Ana), Bi Anca (Anna Bolenna – a perturbada da corte), Sirlanney (Magra de Ruim), Samie Carvalho (Sasha, a Leoa de Juba)… Muita gente produzindo coisa legal.
AC: Já teve algum retorno negativo ou machista ao seu trabalho?
Carol: Sim, de vez em quando aparece alguma coisa. Mas, sinceramente, é tão pouco perto do tanto de afeto e apoio que a maior parte das pessoas me manda, que eu realmente não me incomodo. Já tive ameaças de processo, páginas fake, páginas com o único objetivo de alterar meu trabalho colocando textos preconceituosos… Mas a maior parte do retorno é sempre muito amoroso.
AC: Em relação ao estilo, quais são suas principais referências? Tem algum artista que inspira seus desenhos?
Carol: Minhas referências são muito diversificadas, e me inspiram de formas nem sempre perceptíveis no meu trabalho. Gosto muito do trabalho do Will Eisner, do Craig Thompson, da Melinda Gebbie, tudo o que o Neil Gaiman já produziu, o trabalho da Amanda Palmer (que não é nem quadrinista nem ilustradora, mas sempre inspiradora)… Mas acho que o que de fato mais me inspira são as pessoas ao meu redor e as situações cotidianas. Meu trabalho, afinal, é sobre isso!
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