* Por Meiri Farias
Na matéria que fizemos sobre o Sidney Gusman, falamos da sua vontade de ver Quadrinhos voltar a ser “meio de comunicação de massa”. Já parou para pensar o que isso significa? Gibis seriam como jornais, revistas, livros e etc. “Livros? gibis? Do que raios ela está falando?!” Você bem pode estar pensando exatamente isso. E a culpa é dessas ideia que se criou do que é ou não comunicação e de quem pode “praticar” jornalismo.
Partindo da premissa que todos nos comunicamos o tempo todo, seja por meio da oralidade, gestos, imagens e sinais, logo essa habilidade de transmitir idéias e trocar informações faria de todos “comunicadores”. Pensando nisso, um livro se comunica por meio de história: Seja passando o contexto onde aquele enredo está inserida, ou em casos mais contemporâneos, ajudando a traduzir e interpretar a sociedade que vivemos.
Ok, ok, acho que até esse ponto você pode ter se convencido que livros funcionam como meio de comunicação. (Se ainda não estiver, mais um exemplo que mostra a proximidade da literatura com o jornalismo e como ambos servem como canal de comunicação: Você sabia que alguns dos grandes clássicos da literatura brasileira foram publicados primeiramente em jornais? A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo é um exemplo. Publicado primeiramente como folhetim – praticamente um ancestral na nossa telenovela – esses livros alimentavam a curiosidade do público e só depois de muito tempo começaram a ser editados e publicados de forma integral, como conhecemos hoje). Agora me diz: Por que HQ não pode cumprir esse papel? Se o que conta é estar no “produto” jornal, podemos listar centenas de cartunistas que publicam em periódicos.
Fora dos jornais, de metáforas com super-heróis relacionadas ou animações que se preocupam em retratar determinado período histórico os quadrinhos estão sempre presentes como forma de transmitir história e comunicar. Mas hoje no lançamento dessa coluna, vou citar o exemplo mais próximo do nosso cotidiano: Turma da Mônica. Já falamos muito sobre quadrinhos e Maurício de Sousa Produções (e pode acreditar, é só o começo!), mas no primeiro texto da “Na minha estante”, nova coluna da editoria “Questão de Opinião”, vou falar de um dos meus livros favoritos (que também é HQ!).
Se você for um leitor atento, tenho certeza que já percebeu a passagem de tempo nos gibis da Turma. Com exceção da Turma da Mônica Jovem, que retrata a adolescência dos personagens, a turminha tradicional mantém a mesma idade e mesmo figurino, mas por meio de suas aventuras e cenários, o leitor é situado no período que a história foi criada – quem já viu poster da ‘Mandonna’ ou dos ‘Brothers Brothers’ no quarto da Mônica? – Gibis dedicados a atletas como Ronaldinho Gaúcho e Neymar e principalmente a evolução tecnológica e na linguagem ajudam a marcar e situar o leitor no enredo e, por que não, comunicar e transmitir os costumes de um determinado tempo.
E é isso que Laços faz. Já falamos sobre as GraphicsMSP (você não viu? confira aqui) e como esse projeto vem ajudando a resgatar leitores da Turminha criada pelo Mauricio. As Graphics também tem ajudado a apresentar novos artistas e cartunistas que estão movimentando o cenário dos quadrinhos no Brasil.

Los Pantozelos – Lu Cafaggi
Laços cumpre esse papel com sucesso. Os artistas responsáveis pelo trabalho são os irmãos Vitor e Lu Cafaggi e fazem parte da geração de cresceu lendo Turma da Mônica. Vitor é criador do blog Punny Parker, onde fazia versões infantis do Homem Aranha e a tira Valente, publicada pelo jornal O Globo e também pela editora Panini (o que disse sobre folhetim?). Lu Cafaggi publicava seus desenhos no blog Los Pantozelos.
Mas vamos falar do livro propriamente dito. Se enrolei esse tempo todo é porque é importante compreender o papel que a Turma da Mônica tem na formação de milhares de pessoas. A história de Laços e focada no desaparecimento de Floquinho, cachorro do Cebolinha e nas aventuras da turma para reencontrá-lo. Esse enredo por si só, já seria o suficiente para atrair os leitores: amizade e identificação com o amor por seu animalzinho de estimação. Mas não acaba por aí.
A grandiosidade do trabalho dos irmãos Cafaggi está na sutileza. As cores nos desenhos de Vitor e a delicadeza dos da Lu mereciam um texto a parte. O cuidado com o ambiente em cada quadrinho, o tempo, o horário. È um trabalho preciso e organizado.
Embora o foco seja na turminha principal – Cebolinha, Mônica, Cascão e Magali – as ilustres participações ampliam o ar de familiaridade e contextualizam melhor a história: Denise, Carmem, Maria Cascuda, Titi, Aninha, Xaveco e até o o “Seu” Juca fazem participações especiais na trama.
A história é cheia de referências. Logo no início temos exemplos: no quarto do cebolinha o quadro do quarto do Cebolinha como Tocador de Pífaro, tal qual apareceu na clássica série Quadrões da Turma da Mônica, há diversas relações com a cultura pop e filmes dos anos 80 (mas não sou eu que vou ficar dando spoiler!). É um trabalho para agradar fãs de longa data, que entendem diversas referências bacanas a historinhas antigas, e novatos que vão conhecendo e se apaixonando por esse universo.
Em Laços você percebe que mais importante que os planos, o que é infalível é a amizade dessa turminha. É realmente interessante ver como os irmãos Cafaggi conseguem resgatar esse ‘laço’ de uma forma tão bonita e delicada. Há cuidado em engajar o leitor emocionalmente e inseri-lo dentro daquela atmosfera.
Se você ainda não está convencido, uma curiosidade: Os irmãos Cafaggi encontrar uma forma muito criativa de justificar o fato de só o Cebolinha usar sapatos. Mas não darei detalhes sobre o enredo para não irritar quem odeia spoiler, mas adianto que você vai querer ler, reler e guardar na estante com todo o carinho. E finalmente, penso que é uma forma de ilustrar o quanto as histórias em quadrinho são importantes como meio de comunicação e mostrar que HQ é sim, uma forma de literatura e até mesmo jornalismo.